O Sr. Presidente: - No ambiente destes princípios trabalhou o Concílio. Temos, pois, razões para esperar que da suas resoluções advenham os maiores bens a humanidade. E esperamo-lo. E temos a certeza de que advirão. Deus ajudará os seus executores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: A noticia correu célere de lés a lés de Portugal a, em toda a parte, suscitou uma onda de emoção.

Em Ílhavo, «uma terra de mareantes, num litoral dado de capelinhas brancas», extinguira-se a 20 de Setembro deste ano de, 1965, quem aí nascera para o mundo e para o Céu em 28 de Setembro do ano da graça de l888.

O coração magnânimo de um dos mais insignes prelados da Igreja deixara de bater, não cansado, por certo, de antes sedento de pulsar mais forte e mais fundo, haustos de infinito, na mão de Deus, na Sua mão direita. «Nas horas intermináveis da solidão melhor se reflecte caducidade da vida humana e dos seus bens, e mais profundamente se reconhece o valor da fé.» Ele o disse na pastoral de 1963 intitulada Solidão e Presença, quando, «após nova crise de coração... novamente regressava à diocese». Ele o disse e nós o sabemos também pó temos fé.

No entanto, o desaparecimento dessa nobilíssima figura que foi D. Manuel Trinda de Salgueiro a todos consterneceu: perda enorme para a Igreja, para a Pátria e para a inteligência, a sua morte cobriu de luto e sofrimento os Portugueses, que o choraram «em horas intermináveis de solidão», muito embora todos continuemos a sentir -milagre da nossa crença! - a sua presença espiritual e a bênção de pai amorável e sorridente.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Milagre admirável é, efectivamente, este de o De Profundis das exéquias dos justos ter as ressonâncias vivas do Te Deum Laudamus das melhores horas.

Que D. Manuel Trindade Salgueiro foi justo... e foi santo. Ouçamo-lo: «Por graça de Deus, nasci muito pobre, pobre tenho vivido, pobre hei-de morrer. Nem, como propriedade, nunca mais desejei que os cinco palmos de terra da minha sepultura. E, no entanto, nada nunca me faltou, embora, nos primeiros anos, para tal, muito tivesse trabalhado e sofrido minha pobre mãe. Mas o Senhor deu-lhe, nos últimos anos de vida, tranquilidade perfeita, sem faltas nem preocupações.»

Estas palavras do testamento moral de D. Manuel, definem o homem, na isenção até à renúncia total, na modéstia da sua vida, na coerência e nobreza das atitudes modo comovente, no amor filial, amor permanentemente aureolado pela saudade do pai que, novo ainda, haveria de encontrar sepultura nas águas do mar açoriano, e engrandecido pela veneração tema e imensa que sempre votou à mãe, sobre cujo exemplo de virtudes cristãs e de sacrifícios e privações assentou, no fim de contas, a sua carreira rutilante de sacerdote e de prelado.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - A sua presença era a alegria em pessoa, «a alegria ingénua e despreocupada dos eleitos», para adoptar a expressão com que, em livro magnífico, exaltou a beleza das almas puras. Mesmo nos transes mais difíceis do seu múnus de pastor ou quando a doença fazia sentir mais duramente na sua carne os espinhos da dor, D. Manuel irradiava a serenidade e a tranquilidade dos espíritos predestinados e fortes.

O seu trato era afável e atraente. O porte distinto; e o gesto largo, aberto, e suave como voo de ave ou desabrochar de flor, logo inculcava o pai, sempre disposto a abraçar e abençoar. No olhar límpido havia lampejos de uma vida ... toda sintonizada para o Infinito.

Primorosamente educado, o homem nascido num lar muito pobre e que se finou na humildade de uma cama de ferro -bem perto, em tudo, do berço em que vira pela vez primeira a luz do dia -, surgia sempre, quer no labor quotidiano e nas relações com os colaboradores mais directos e com os amigos, quer nas Ílhavo, organizava e rematava com «sermões» por ele próprio pregados.

Assim, toda a sua vida haveria de ser pregação, apostolado, magistério: no convívio social ou privado, em livros sobre temas essenciais, na imprensa, em que revelou excepcionais qualidades de jornalista, em sermões, homílias e alocuções, nas lições de professor universitário, na direcção espiritual da juventude coimbrã, na Acção Católica, nos labores pastorais, no Concílio Ecuménico - o homem, o mestre e o envangelizador apareciam invariavelmente consubstanciados na unidade do pensamento, na identidade do escopo a atingir e no próprio estilo inconfundível da acção.

Na verdade, tudo nele era convergência; e, por paradoxal que pareça aos que não têm fé, convergência na partida e na chegada, na origem e no destino, no método e na finalidade a alcançar.

Aluno distinto na escola primária, no liceu e no seminário, granjeou entre os professores e os colegas as mais vivas simpatias. Ordenado presbítero em 1921, começou a leccionar no Seminário de Coimbra e, logo a seguir, partiu para a Universidade de Estrasburgo, onde se licenciou em Direito Canónico e se doutorou em Teologia. A tese que então apresentou sobre a doutrina da graça de Santo Agostinho é já iniludível afirmação da sua cultura filosófica e do seu pendor para as letras.

De regresso a Coimbra, volta a leccionar no Seminário Diocesano e entra pouco depois, em 1927, para o cabido como cónego teólogo, qualidade em que foi incumbido de pregar à missa principal dos domingos, na Sé Nova, cujo púlpito abrilhantou durante treze anos ininterruptos com orações que ficaram célebres e nas quais a profundidade e a actualidade dos temas andavam a par da clareza e ordenamento da exposição e da eloquência arrebatadora do orador de raça que era.