brança desta Câmara. Apenas uma voz saída de entre o povo, desse generoso e bom povo português que soube ver claro na densidade de bruma das paixões e no deflagrar das tempestades de ódios que afligiram a Nação no fecho do século passado e no primeiro quartel daquele em que vamos vivendo.

Venho a esta tribuna, no ano centenário do seu nascimento, invocar e tentar definir a figura grácil de uma princesinha nascida no exílio de sua Mãe-Pátria, que depois foi rainha destas terras de Portugal e havia de ir morrer num outro exílio, fora daquela outra pátria a que pelo coração se ligara, à qual dera os filhos do seu sangue e o sangue do seu filho, sem nunca lhe tirar o veemente amor desse coração que um dia lhe havia dado.

Vozes: - Muito bem!

a meditação, se pretende saber alguma coisa, nos limites da proximidade, sobre a época social e o tempo político em que aquela princesinha foi rainha de Portugal, chega-se a ter a desoladora noção, desoladora e terrível, de que por esses tempos, nesta deliciosa terra lusitana, ninguém era capaz de amar ninguém, não havia na vida publica nem lugar nem jeito para o amor do próximo e para o respeito do semelhante. Vivia-se na intriga, na vaidade, na ambição do mando, quase só se cultivavam as más paixões e nelas se engendravam os ódios, e os ódios alastravam tanto que em certo dia se concentraram todos ali no Terreiro do Paço, e foi então essa abominável coisa do regicídio, a morte nefanda e pública do rei e do príncipe real, como se aquela morte de ignomínia na praça pública fosse a solução única para refazer a dignidade de um regime ou o alicerce necessário para sobre ele se assentarem os fundamentos do edifício novo de um regime de redenção!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois foi nestes horizontes de insânia e abominação, de que era culpado o escol desorientado e rebelde, foi aqui e então que veio descer um sorriso de graça e um perfume de amor, sendo de tal modo bem evidente que o lodo e a lama haviam de macular a pureza da« pétalas e o sorriso de graça teria de esmaecer n» dor e 110 martírio daquele coração que todo inteiro se tinha doado a Portugal, num casamento feliz e por uma tarde primaveril e linda do mês de Maio de 1886.

A rainha era católica, pois logo a maldade fez dela depreciativamente uma beata:

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... a rainha era francesa, pois logo os belos espíritos de então a tornaram numa hipócrita; a rainha era uma mulher de impressionante beleza física, pois então a calúnia tinha necessariamente de abocanhada na honra de senhora e de esposa de el-rei (oh, ecos de S. Bento, não queirais repercutir as infâmias que aqui se ouviram ...); a rainha era mãe enérgica e firme na condução dos filhos, que sabia estar instruindo e educando para serem homens e para serem reis, reis de oito séculos de História e de Pátria, mas por isso mesmo a vilania tinha de fazer da rainha uma mulher dura e fera para com os próprios filhos; a rainha era caritativa e esmoler, não podia, pois, deixar de ser acusada de esbanjamento e prodigalidade e até os maiores responsáveis da governação ousaram dizer que enquanto a rainha se entretinha com esmolas não fazia outra coisa e que bem lhe podia ter dado para pior!

Que tempos aqueles e que gentes! Perdoai que me recuse de agora em diante a acompanhá-los e segui-los e vou só pensar na figura da rainha, como que desintegrando-a de um ambiente social, moral e político que ela teve estatura e vulto para dominar, sobrepondo-se-lhe pelas qualidades naturais, pelos méritos da educação e da cultura, pela noção da grandeza das responsabilidades, pelo estímulo da fé, pela ombridade de ânimo, pela capacidade de resistência que tantas vezes se colhe nas angústias e nas profundas amarguras do sofrimento.

Vozes: - Muito bem!

ores e mais responsáveis por Portugal. E que os reis ou são assim ... ou não são ...

Vozes: - Muito bem!