Na Rússia, em Dezembro de 1961, o Soviete Supremo votou os fundamentos da legislação civil da U. R. S. S. e das repúblicas federadas, os quais deviam servir a estas como base para a elaboração dos seus códigos.

Na Hungria, em 1959, na Polónia e Checoslováquia, em 1964, foram publicados os novos códigos.

Tudo isto vem para dizer que não é de estranhar que também em Portugal o Governo tenha, em 1944, tomado a deliberação de promover os trabalhos de elaboração de um projecto de revisão geral do novo Código Civil.

Houve o cuidado de especificar que não se tratava apenas da actualização do Código de 1867.

Tratar-se-ia da elaboração de um código novo, não por preocupação de originalidade, mas porque o diploma antigo não poderia corresponder às necessidades actuais, somente pela substituição deste ou daquele texto.

E indicaram-se, para tanto, como razões justificativas:

a) As incertezas a que tem dado azo a redacção de variados artigos;

b) O facto de h aver tantas leis posteriores alterando o código que já só com impropriedade pode afirmar-se que ele está em pleno vigor;

c) A circunstância de não serem as mais felizes certas soluções dadas pelo código a algumas matérias importantes;

d) O facto de o código não regular, ou só regular deficientemente, determinados institutos ou figuras jurídicas, algumas de alta relevância;

e) Os vícios de técnica de que o diploma enferma, quer quanto ao método de arrumação das matérias, quer quanto à própria terminologia jurídica empregada.

Finalmente, e é de certo o mais .importante:

f) O facto de o código de Seabra ter sido composto sob um signo eminentemente individualista, que hoje se encontra inteiramente superado pelas noções do direito social, da solidariedade e da humanização do direito.

Esta última consideração era suficiente para determinar que o novo código fosse realmente um código novo, e não apenas uma actualização do antigo.

Na verdade, esta dif erente posição assumida pelo legislador repercute-se em quase todos os institutos jurídicos.

No direito de família, o legislador, imbuído de individualismo, atribui ao chefe de família, quer como pai, quer como marido, poderes quase despóticos.

Em matéria de propriedade, desconhece a função social da mesma e não estabelece peias ao uso e abuso do proprietário.

E em matéria negocial, ou seja principalmente em matéria de contratos, erige o princípio da autonomia da vontade e da liberdade negociai como soberano em todo esse capítulo.

Ao contrário, o legislador do direito social entende que o outorgante mais forte não pode abusar do seu poder económico, de forma a explorar imoralmente aquele que muita vez contratou em estado de necessidade.

Ao passo que pelo código de Seabra o contrato constituía lei entre as partes, pelo novo código as estipulações contratuais podem, em determinados casos, ser revistas à face de princípios de boa fé ou de finalidade social.

A inovação, já consagrada legislativamente lá fora; defendida entre nós pode dizer-se que unanimemente pela doutrina, e já uma que outra vez timidamente aplicada pelos tribunais, é manifestamente de aplaudir.

Mas não há que esconder o melindre da questão, uma vez que se vai atribuir aos julgadores a faculdade de reverem, e possivelmente alterarem, aquilo que as partes, pelo menos aparentemente, quiseram estipular com liberdade.

Aliás, este é só um dos pontos, embora dos mais impressionantes, em que o novo código confia ao prudente arbítrio dos julgadores a resolução de inúmeros casos que dependem exclusivamente do seu critério sobre a boa fé, o motivo grave, o dolo, a razoabilidade, os usos, a equidade, o agravamento sensível, a desproporção, a imoralidade, a diligência, o interesse social, o fim social e económico, a normalidade, a justa causa, o justo receio, a culpa, o abuso, os bons costumes, a justiça, a equidade, a harmonia, a equivalência, a desculpabilidade, o justo valor, a utilidade, a necessidade, o prejuízo apreciável, etc.

Isto sem falar no grande alargamento das hipóteses em que se recorrerá ao suprimento judicial.

Ao fazer esta enumeração, não está no meu espírito discordar da frequência com que o novo código utiliza estes conceitos flexíveis de que fala Renard, conceitos válvulas no dizer de Wunzel, ou standards jurídicos na terminologia americana.

Como observa Manuel de Andrade, bem se compreende que eles sejam susceptíveis de evoluir, ajustando-se às mais variadas circunstâncias, que tenham virtualidades inesgotáveis de adaptação à vida real, e que assim as normas que os utilizam não envelheçam, pois o seu conteúdo perenemente se renova.

Mas o que é inegável é que pelo novo código se lança sobre os ombros dos julgadores uma tarefa muito mais pesada e espinhosa do que aquela, já não leve, que até aqui sobre eles impendia.

Disse o Sr. Ministro da Justiça, na comunicação notável, a todos os títulos, que no passado dia 2 aqui realizou, que os nossos magistrados estão à altura da missão que lhes é destinada, e que para tanto inclusivamente contribui a preparação teórica com que hoje saem das Faculdades de Direito, bem superior à que era ministrada há algumas dezenas de anos atrás.

Não o ponho em dúvida.

O meu receio é somente que, com a pobreza das remunerações que espera a nossa magistratura, os diplomados em Direito, em vez de se dedicarem a ela, prefiram outras profissões mais rendosas, e não forçosamente mais exaustivas.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Faço este apontamento muito intencionalmente, porque, como vai entrar em discussão a Lei de Meios, onde se enumera uma reforma administrativa, em que se integra a reestruturação dos quadros do funcionalismo público, entendo que é a ocasião de o Governo rever, a nova luz, a classificação dos vencimentos dos magistrados e dos oficiais de justiça, para que a independência, que sempre têm mantido, não continue, como agora, a ter de classificar-se de heróica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio que seria de algum interesse relembrar a esta Câmara quais os pontos principais em que o Projecto do Código Civil, há meses publicado, se afastou do Código Civil anterior.

Mas como, por um lado, isso tornaria esta minha intervenção demasiado extensa e, por outro, tal assunto já tem sido com frequência objecto de esclarecimento