os sentimentos de justiça e a concepção ética do povo português, realiza, em pleno, a sua função de paz social, visto que, como enunciou o incomparável papa Pio XII, a paz é obra da justiça.

Embora a esta Assembleia não interesse o aspecto estritamente jurídico dos problemas, não lhe pode ser alheia a ressonância pública de problemas jurídicos.

Não será, por isso, deslocado aflorar aqui dois ou três aspectos que, embora de essência jurídica, se repercutem largamente no político e no social.

Permitir-nos-emos, preliminarmente, considerar como mero lapso de escrita a data fixada, no decreto preambular, para a entrada em vigor do novo código - 1 de Junho de 1967.

Na verdade, ocorrendo no subsequente trintídio o centenário da carta da lei que aprovou o nosso primeiro Código Civil, seria compreensível e justo comemorar o centenário do velho código com a entrada em vigor do código novo.

A esta homenagem - que, mais que merecida, reputamos devida -, acrescia o mérito de aumentar em mais um mês o curto prazo concedido para o estudo da lei, do mesmo passo que vantajosamente poria em vigor o código, não em plena azáfama do ano judicial, mas já no seu declínio, quando começa «a cheirar a férias».

Se o Governo entendesse, como eu entendo, que estas razões são tão válidas que só por lapso se não fez coincidir a vigência do código novo com o centenário do velho, facílima seria a rectificação no Diário do Governo - 1 de Julho de 1967.

A sistematização do código e as soluções jurídicas nele preconizadas para os diversos institutos foram objecto de estudos sistemáticos, mormente por parte da Ordem dos Advogados, que promoveu e animou a exegese da lei nova, embora tenhamos de lamentar que a maior parte desses estudos, dado o crónico atraso das publicações da Ordem, só chegue ao conhecimento do grande público quando tiverem perdido actualidade.

A par com os estudos, surgiram as inevitáveis críticas, bem e mal intencionadas, si nceras ou verrinosas, muitas vezes pessoais, mas que tiveram o traço comum de incidir na estruturação da família e visar o estado das pessoas.

Porque, assim, se pode considerar esgotado o tema, não insistirei nele; emitirei apenas a opinião pessoal de que não considero exagerada, a protecção que o código dá à família legítima.

A instituição familiar, célula insubstituível do corpo social, vem sofrendo há longos anos os embates demolidores da evolução social e económica e a corrupção de doutrinas delectérias e, tantas vezes, insidiosas.

Vítima dos ataques de tudo e de todos, a família moderna torna-se «uma sociedade disforme e fértil em atritos, caracterizada para todos os seus membros pela comunidade de escada e patamar», na expressão lapidar e impressiva de Radbruch.

Contra este declínio suicida, só uma voz, só um movimento, previdente e válido, se ergueu - o da Igreja Católica, através da encíclica Casti Connubii, já velha de 36 anos.

Só agora, po rém, em face das consequências dramáticas que se avolumam, é que as nações começam a reconhecer que, quando a célula familiar adoece, o corpo social gangrena-se.

Sabemos bem que não é ao direito civil que se pode pedir a completa salvaguarda da instituição familiar, até porque muitas das causas dissolventes se situam para além do direito privado.

É, no entanto, a este direito que cabe a decisão final sobre a vida e a morte da família.

A nosso ver, embora não compreendamos a razão por que se manteve a noção individualista do casamento-contrato, e não se subiu ao conceito de casamento-estado ou instituição, tem o novo código o mérito de reagir, na medida que reputou possível, contra a demagógica legislação anterior.

Ponto era que os demais organismos estaduais, acompanhando este movimento de protecção e dignificação, conferissem à família amparo igualmente eficaz e positivo, em vez de a reduzirem a estafado alvo de ditirambos, tão líricos quanto platónicos .

Outro problema, que se nos afigura o mais agudo de todo o código, consiste na invocação frequente da boa fé e da equidade para solucionar questões, por vezes da maior transcendência.

Como o reconheceu o ilustre Ministro na sua memorável exposição, esta remessa para conceitos movediços e esfumados, que mais se sentem do que se definem, constitui arma perigosa e de efeitos imprevisíveis.

Sem querer dissecar agora o reflexo destas normas em branco nos maus advogados (o que será o menos) e nos maus julgadores (o que é infinitamente pior), eu encaro aqui o problema pelo ângulo do cidadão comum, que precisa de conhecer a lei em que vive.