Preocupa-me vivamente o reflexo de tais normas na certeza do direito, aquela certeza que é finalidade vital de qualquer codificação.

Aceito compreensivamente que ampla liberdade de decisão seja, em certos casos, conveniente num código que se propõe desempenhar, nesta hora vertiginosa, o papel de charneira em torno da qual se rode, tão suavemente quanto possível, da civilização que morre para aquela que vem surgindo.

Temo, porém, os riscos enormes, e parece-me que o mestre jurista que é o Prof. Antunes Varela sentiu iguais temores, que só dominou entoando um acto de confiança à magistratura portuguesa.

Para que ela possa, porém, honrar a gravíssima responsabilidade que assim se lhe lança nos ombros, supomos indispensável a sua adequada reestruturação, ou, pelo menos a readaptação do seu sistema de trabalho. Há que desenvencilhar a justiça das peias burocráticas que cada vez mais a enleiam.

É indispensável que as entidades superiores se capacitem de que o essencial é decidir bem, e não decidir depressa; não interessa despachar processos, mas importa fazer justiça a quem a precisa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mal irá a sociedade que procure justiça e só encontre azáfama burocrática.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, e partindo do pressuposto de que se deseja manter à outrance a oralidade na tramitação processual, há que providenciar para que os órgãos colegiais deliberem efectivamente por forma colegial.

A nosso ver, tal desiderato alcançar-se-ia, sem grandes despesas, com a simples alteração de alguns artigos das leis processuais que impusessem ao colectivo a definição da matéria de facto, tal como é, sem atender ao aspecto jurídico, que não lhe pertenceria julgar, e anda que obrigasse os tribunais superiores à tenção individual, para pôr termo aos acórdãos... singulares.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Parece-nos ser este o mínimo indispensável para habilitar a magistratura portuguesa a criar aquela jurisprudência estável, mas não estática, que se torna vital para estabelecer o justo equilíbrio entre a estabilidade legislativa e a evolução das realidades vividas.

Falamos assim, desassombradamente, porque entendemos, com o Prof. Antunes Varela, que se não deve fugir «com ardis de mau político às dificuldades dos problemas, nem oculta: com subterfúgios de mau jurista a verdadeira face das coisas».

Vamos terminar as nossas glosas ao código novo.

É indisputável que o código ora publicado, como obra humana que é, terá inevitavelmente deficiências e defeitos - alguns já apontados e outros que só o rolar dos tempos trará à superfície.

Isso, porém, em nada diminui o seu altíssimo mérito como padrão jurídico e como instrumento de justiça e de progresso.

Com ele e por ele, colocamo-nos a par dos países de mais moderna e evoluída legislação.

Não é fácil aquilatar do esforço intelectual, do trabalho material, da tensão de vontade e da energia sobre-humana indispensáveis para levar a cabo em tão curto lapso de tempo obra que mira aos séculos.

Torna-se, porém, intuitivo que nem o talento, nem a cultura, nem o trabalho, nem a energia, seriam bastantes para gerar este monumento jurídico se o ambiente não propiciasse a coordenação de todos os esforços, se a estabilidade governativa não garantisse a continuidade do trabalho e se uma esclarecida filosofia política e social não rasgasse os horizontes e iluminasse o caminho.

Vozes: - Muito bem!

ustem perfeitamente ao momento histórico que se vive e à idiossincrasia do povo a que se destinam.

A codificação é, desta sorte, acto complexo, que exige perfeito domínio e justa coordenação da ciência jurídica, da filosofia política, das realidades sociais e das constantes da história.

No insigne jurista que é o Prof. Antunes Varela reúnem-se em feliz harmonia e no mais alto grau todas estas raras qualidades.

Estamos certos de que o código não seria possível sem a preciosa colaboração dos mestres juristas de que o Sr. Ministro precavidamente se rodeou.

Mas estamos também convencidos de que sem o entusiasmo dinâmico de S. Ex.ª - sem a sua tenacidade febril, que galvanizou as vontades - o código não existiria ainda.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Como também é nossa convicção íntima que se deve ao Prof. Antunes Varela o sentido profundo, a orientação filosófica que presidiu à concatenação dos materiais e que fundiu os vários contributos científicos no todo harmónico e grandioso que é o nosso código.

Isto é, foi ele que insuflou no corpo das doutrinas seleccionadas a alma que lhes deu coesão e unidade.

Nestes tempos em que a adjectivação se banalizou até ao corriqueiro, em que o elogio fácil e gratuito se desencadeia em hipérboles tão descabidas como infundadas, tornou-se tarefa singularmente melindrosa elogiar quem realmente o merece.

Não temos já adjectivos a alto nível, que todos andam pela rua da amargura; dados de barato, por fás e por nefas, a qualquer bicho-careta, já ninguém os aceita mesmo de graça.