Também muito é de louvar o retorno digerido do arrendamento à economia do código em termos de equilíbrio muito razoável em terreno jurídico de natureza tão conflituosa.

Algumas reservas houvera de fazer, se a escassez do tempo mo consentisse, particularmente pela discutível poda que sofreram os arrendamentos, quer urbanos, quer. rústicos, em relação a textos antes aprovados pela Assembleia. Mas tal está longe de pesar em comparação com os benefícios da sua integração no código.

Pena é que o inquilinato de Lisboa e Porto não possa ainda deixar de ser regulado à parte.

Não me alongarei quanto às matérias, também litigiosas, por bem notórias razões, sobre casamento, divórcio, separação, etc., porque inteiramente perfilhamos a orientação adoptada e nos satisfizeram deveras as razões com que a defendeu, com mão de mestre e amor de pai, o Sr. Ministro da Justiça.

Isto exemplificativamente me ocorre dizer do muito mais que em louvor do novo código validamente se nos ofereceria. Mas, suponho, basta para justificar o sentido da minha maneira de ver.

E, a propósito, seja-me lícito um desabafo de piedade filial que a abertura da exposição sobre a codificação civil me sugeriu. E, aludindo a ela, abro um parêntese para felicitar os seus realizadores na pessoa do presidente da respectiva comissão Sr. Prof. Guilherme Braga da Cruz, muito ilustre mestre de Direito, activo colaborador no código novo, filho de um querido condiscípulo, membro ilustre que foi desta Câmara, Dr. José Maria Braga da Cruz.

Reatando: ao ver essa exposição e o seu bem esclarecedor catálogo relembrei a Reforma de 1930, da iniciativa do então Ministro da Justiça, Dr. Lopes da Fonseca, também meu destacado condiscípulo e amigo. Quanto à parte que meu pai nela tomou, verifica-se no novo código - sem falar de outras modificações de inspiração diversa, como a do sábio civilista Teixeira de Abreu sobre servidões - que se mantêm no novo diploma, decerto porque vinham ao encontro de necessidades perduráveis, as seguintes, embora em termos mais actualizados: a interdição parcial (hoje inabilitação) por insanidade mental; contratos a favor de terceiro; actualização de obrigações pecuniárias, levantada então a propósito das colações, ora a fazer-se segundo os índices oficiais dos preços (artigo 551.º); responsabilidade civil do Estado como pessoa de direito público (artigo 501.º). Ainda e sobretudo a consagração do princípio da sucessão em usufruto do cônjuge sobrevivo em concorrência com irmãos do de cajus; isto o vimos, aliás, ameaçado no projecto do código por solução qualificada pelo Sr. Ministro na sua exposição de «engenhosa» e «curiosa», ao que bem poderia acrescentar-se, assim nos parece, «exótica».

Em vez de rebuscado em congeminações qualificadas como vimos, bem o preceito a que felizmente se regressou a seu favor já medievos precedentes de tradição nacional.

Com efeito, lê-se a p. 76 das Lições do Direito Por tuguês do Prof. Paulo Mereia (1924-1925), tratando da época medieval, o seguinte:

Frequentemente se celebravam convenções entre cônjuges, por virtude das quais as regras ordinárias da partilha eram alteradas em benefício do cônjuge sobrevivo. Assim, pelo chamado «pacto de unidade», o cônjuge sobrevivente ficava com o usufruto de todos os bens.

Perdoe-se-me o aproveitar vir a capítulo o nome deste insigne professor, que foi também meu condiscípulo e ficou fraterno amigo, para o averbamento de uma nota pessoal; a de quanto aproveitei da sua assistência arguta, para me esclarecer nas dificuldades do Guilherme.

Sim, também saudoso Doutor Guilherme Moreira, colocado na história do nosso direito civil na esquina de passagem da escola de simples exegese para a mais integradora e técnica que ele iniciou e donde promana o código novo.

Ainda bem, quanto ao Prof. Mereia, que a sua saúde, débil por antonomásia, permitiu-lhe embora colaborar, e com que zelo e proficiência, na revisão deste código. Mais uma garantia para mim de quanto posso aceitá-lo de olhos fechados ... ou quase.

Sr. Presidente: Agora - a justificar este «quase» - passemos a algo daquilo que se nos antolha no código como parcelas de passivo e que, embora nos não pareçam de somenos, estão longe de ofuscar os substantivos valores que nele se impõem.

E, como não há bela sem senão, por economia de tempo deduzamos em forma articulada alguns, segundo nós, desses senões:

1) Quanto ao latitudinário artigo 1.º «Fontes imediatas de direito», chocou-nos logo notar que entre a lei e as normas corporativas se não inserissem as normas de igual índole genérica emanadas das autarquias locais. Isso bastaria decerto para estofar melhor o preceito até na compreensão do comum.

Vimos depois que em O Direito de Julho passado a autoridade do Prof. Marcelo Caetano partilha da nossa estranheza.

De resto, expressamente ao direito local alude o artigo 346.º na tradição do artigo 2046.º do código velho.

2) O n.º 3.º do artigo 10.º, quanto à integração das lacunas da lei, antolha-se-nos perigoso pela filosofia nele implícita,- repugnante à tradição portuguesa.

Transportada do ético para o jurídico, transparece o subjectivismo kantiano do imperativo categórico:

Age de maneira tal que a máxima da tua acção possa erigir-se como lei universal.

Entendo muito mais certo e seguro que os juizes se atenham sempre ao pressuposto objectivo de que uma ordem jurídica os transcenda e nunca se considerem aptos, por lei, a intencionalmente se porem a legislar através de uma como que introspecção ensimesmada.

Dir-me-ão: mas isto é só para os raríssimos casos das lacunas da lei que escapem ao recurso à analogia sistemática. Estas lacunas já encaradas possíveis no código ver-se-ão decerto acrescentadas por aquelas que se observarão na superveniente legislação que o influxo da vida social deixará de provocar.