Infelizmente este é o panorama habitual na vida vertiginosa que hoje se processa.

Uma mãe calma, inteligente, sabe que é mais razoável não estragar a criança cedo de mais nem insensibilizá-la exageradamente. Sabe que é necessário o contacto directo mas sabe também habituar a criança a pequenas renúncias quando o momento se apresenta, sabe habituá-la a que os seus desejos não sejam imediatamente satisfeitos, para que mais tarde a criança a não tiranize. O bebé que foi demasiado amimado ou tratado com um rigor insentato sentirá mais tarde dificuldade em viver com os seus semelhantes, pois não se soube considerar a sua necessidade de paz interior e de segurança.

Se logo na primeira infância a educação da criança envolve problemas de extrema delicadeza o que não dizer da segunda infância - a idade da teimosia e da desobediência?

Nesta idade a criança não só descobre a sua vontade pessoal, como também tenta explorar e experimentar cada vez mais as coisas que a rodeiam. Na alegria das descobertas não tem consciência de nenhum mal, de nenhum perigo. Não compreende as proibições e os castigos severos da mãe que impedem as suas explorações, responde-lhes por vezes com revoltas. Como proteger a criança do perigo que não compreende por falta de perspicácia sem paralisar ao mesmo tempo a sua necessidade de actividade e o prazer da descoberta? É muito difícil, no mundo em que tudo está previsto só para os adultos.

Com razão diz a ilustre escritora Ilse Losa, que à vida da criança e aos seus problemas tem dedicado toda a sua inteligência e feminilidade.

A expressão "a criança tem direito à infância" pode, à primeira vista parecer paradoxal, sobretudo para quem infância signifique apenas um período da vida determinado pela idade e desenvolvimento físico. Se assim fosse a expressão não teria qualquer sentido, visto que todos os homens passam por esse período. Mas se considerarmos infância a época em que são dadas à criança todas as possibilidades de expansão possibilitando-lhes os brinquedos adequados, um desenvolvimento gradual da sua personalidade, uma alimentação racional e, numa palavra todos os elementos fundamentais para a sua felicidade, de modo a ser criança no verdadeiro sentido da palavra então verificamos que há muitas e muitas crianças sem infância.

Diz Maria Montesson.

A criança constrói o elemento mais importante da vida do homem - é o construtor do homem.

Na realidade o homem será amanhã aquilo que em criança vier a fazê-lo. Não será por isso demasiado insistir em que só poderemos ter jovens e adultos devidamente formados se as crianças - os seus construtores - tiverem recebido também uma segura e perfeita formação. Vejamos porém como se processa entre nós a educação infantil, nomeadamente na época mais difícil e que, por isso mais rigoroso cuidado e cautela deveria merecer-nos, a da segunda infância.

Qual a situação em que se encontra a grande maioria das crianças desta idade, principalmente nos meios urbanos ou industrializados, embora nos meios rurais comecem, infelizmente, a verificar-se idênticas condições?

Fechadas igualmente em casa encarregadas da vigilância e protecção de irmãozitos mais novos e, quantas vezes até encarregadas das tarefas domésticas inclusive de cozinhar sujeitas aos mesmos perigos, a ponto de ter sido instituído o prémio da Fundação de Valflor para os pequeninos que se mostrem mais heróicos na defesa dos inocentes perante o perigo.

Na rua, sujeitas aos mesmos riscos de origem física, carregando ainda mais a triste nódoa dos nossos acidentes de viação, e aos perigos morais que desnecessário se torna encarecer.

Entregues a "amas" mercenárias, sem qualquer preparação e, quantas vezes cheias de taras e vícios que, consciente ou inconscientemente, transmitem às pequeninas almas em botão. Como nota exemplificativa ponderemos dizer que uma arma por muito favor, leva a uma pobre mulher a dias 311$20 por mês por ter à sua guarda duas crianças de quatro e dois anos dando-lhes de comer, sabe Deus como e o quê, pois por via de regra, a ama exige 50$ por semana só por tomar conta de uma criança.

Em patronatos creches, infantários e orfanatos que crêem desempenhar um serviço de colossal importância fornecendo à criança uma frugal e desajustada refeição e uma enverga para se deitar.

Em casa entregues quase sempre só simbolicamente, às criadas, que, salvo raras excepções, lhes imprimem como as amas, taras, complexos e vícios.

Em casa com as mães, assoberbadas de trabalho e por isso, sem aquele mínimo de paciência para aturar as suas traquinices e a natural ânsia de curiosidade a que já aludimos. Mesmo nas classes mais abastadas, e dado o actual condicionalismo da habitação, composta geralmente, por apartamentos de reduzidas dimensões, essas situações tendem a complicar-se cada vez mais.

Em jardins-escolas sem os mínimos requisitos de uma boa e salutar orientação, nos quais à criança, num jardim ou numa sala, durante a maior parte do tempo entregue a si própria, ou lhe é ministrada prematuramente a instrução primária, com todos os inconvenientes de uma pedagogia anacrónica e despropositada ou ainda as pseudo-professoras fazem os trabalhos e jogos dos meninos para que estes resultem "mais bem feitos".

Em jardins-escolas bem orientados o que infelizmente é rara excepção, dada a conhecida falta destas preciosas instituições particulares já que não temos entre nós estabelecimentos oficiais deste tipo.

É este sem qualquer intenção de o enegrecer demasiado, o quadro do ambiente em que geralmente vivem as crianças da segunda infância.

Não será ocioso insistir em que o cérebro e a alma da criança se assemelham à cera de moldar no qual ficam marcadas, no mínimo pormenor, todas as impressões, por mais ligeiras que sejam e que, se o desenvolvimento das circunvoluções cerebrais podem esbater ou até apagar algumas dessas marcas, outras há porém que permanecem indeléveis como as cicatrizes por vezes avolumadas como os quelóides ou as neoformações resultantes dos traumatismos repetidos. No domínio do tempo a criança só conhece o presente porque não vive, como nós, o passado e o futuro e, por isso, vive o presente com uma intensidade to-