Estes rápidos apontamentos comezinhos não os trago aqui por amor do professor, nem por concessão ao gosto literário neo-realista, que não me quadra, e que, aliás, passou de moda. Trago-os simplesmente por que são realidades que não podemos ignorar quando encaramos de frente o problema actual da educação da juventude portuguesa. Essas mulheres exaustas, enervadas, absorvidas nos raros momentos de vida familiar pelas ocupações materiais inadiáveis não estão com certeza em condições de prestar aos filhos a atenção vigilante e o amparo sereno que são essenciais na tarefa de educar.

Ouvi, durante os debates deste aviso prévio, condenar e absorver a mulher pelo abandono do lar, que é característico do nosso tempo. Todos concordávamos nos inconvenientes desse abandono. Se bem entendi, apenas se discutia se a mulher sai de casa por necessidade psicológica (foi a expressão empregada) ou por despótico imperativo económico. No segundo caso, ela ficava absolvida, e da situação de ré, passava a ser queixosa de uma ordem social e económica imperfeita expressa, sobretudo, no baixo nível do salário do chefe de família e na onerosa desproporção entre este e o preço de aluguer das habitações.

Mas, no primeiro caso, então a mulher era condenada sem apelo, porque se entendia por necessidade psicológica o mero capricho mundano a tentação do luxo no vestuário e nos arranjos domésticos, o desapego das humildes tarefas caseiras, provocado pelo moderno hábito feminino da rua, do café e do cinema.

Desejo trazer a esta discussão -que não é tão ociosa e académica como pode parecer- o contributo de uma experiência pessoal e de uma observação atenta. Depois explicarei o motivo por que me detenho neste ponto.

Não negarei que o imperativo económico, se é factor preponderante na generalização do emprego da mulher casada, nem sempre é, no entanto, o seu único, nem talvez o seu primeiro motivo. Não negarei que, em certas camadas sociais, mediante um pouco mais de economia, um pouco mais de modéstia no viver, uma parte das mulheres que trabalham fora do lar poderiam talvez consagrar-se à tarefa de governar a sua casa e criar os seus filhos.

Quando consideramos a escassez das remunerações que muitas auferem e os gastos que têm de fazer com pessoal doméstico, creches e escolas infantis, transportes, refeições no restaurante, sem contar todas os inúmeras pequenas despesas acarretadas pelo simples facto de sair de casa, somos levados a reconhecer que o imperativo económico nem sempre chega para explicar o tão indesejável abandono dos filhos e da casa.

Mas daí a condenar pura e simplesmente as mulheres que assim procedem, atribuindo apenas à sua futilidade e ao seu capricho egoísta um estado de coisas que consideramos funesto, vai ainda um largo passo.

E chego assim ao ponto que julgo capital, e que me levou a demorar-me mais do que desejava na análise desta questão quotidiana e doméstica. E é o seguinte julgo que não deve esquecer-se, ao apreciar a conduta das mulheres de hoje educadoras dos homens de amanhã, a influência poderosa da educação que elas próprias receberam.

Saídas de casa o mais tardar aos 7 anos para frequentar a escola primária, gastaram cerca de dez anos - os anos mais importantes na formação da personalidade- absorvidas por uma tarefa que nada tinha de comum com a sua vocação feminina.

Equiparámo-las, nos bancos da escola, aos seus camaradas rapazes,

ministrámo-lhes um ensino quase exclusivamente intelectual. Aos 13 ou 14 anos, quando as características do ser feminino se definem, dispensámo-las de participar nas actividades da Mocidade Portuguesa Feminina, norteadas essas pela preocupação de acarinhar a vocação materna da mulher. Dos 15 aos 17 anos abafámos a originalidade do seu espírito, a frescura da sua sensibilidade, a sua graça amanhecente de mulheres sob a mole imponente mas amorfa das disciplinas que formam os últimos anos do ensino médio, pais e professores concordamos, então, na impossibilidade de exigir-lhes qualquer participação nas tarefas e preocupações da casa. Pelo contrário na família criou-se em torno dos estudos da menina, das suas notas, dos seus exames, dos seus companheiros casuais de estudo ou de recreio, um clima de respeito, um sentimento de absoluta prioridade sobre os botões arrancados, os quartos em desordem, as dificuldades financeiras ou até a simples e humana obrigação de velar à cabeceira da mãe doente.

Assim a preparámos, em suma, para o escritório comercial, para a secretaria de Estado, para o laboratório, mas pouco ou nada para o lar, assim a lançámos no mundo dos homens e a deixámos criar todas as ambições de ganho - ou, na melhor das hipóteses, todas as curiosidades intelectuais, assim lhe demos todos os hábitos de tertúlia ou de bando, todos os apetites da civilização urbana, todos os interesses de exterior. Assim entrou aos 18 anos na administração pública, na empresa, ou na Universidade, onde a obra se completa, e assim chegou um dia ao casamento.

E foi então que nos indignámos de a ver abandonar a casa, não para ganhar o pão dos filhos ou para pagar as dívidas do casal, mas apenas paia satisfazer as necessidades psicológicas criadas pelo tempo em que vive, mas também pela educação que lhe demos.

Vozes: -Muito bem!

intimidade e santidade do lar, até à destruição das mais fundas raízes da vida humana-, é urgente que os responsáveis procurem orientar e regular a inundação, em vez de se deixarem subverter por ela.

Os responsáveis. Bem sabemos que era a casa de família a verdadeira escola onde as raparigas aprendiam a ser mulheres e a ser mães. Mas se os tempos mudaram, não nos compete a nós, como Deputados, exortar a família a que zele pelos seus interesses e se defenda a si mesma dos perigos que a ameaçam. Não é para isso que estamos aqui. A Nação rir-se-ia de nós se não se encolerizasse por nos ver iludir e escamoterar desse modo o mandato que nos confiou.