Será de assinalar, porém, que a evolução não é comum a todos os sectores, antes pelo contrário. Recorrendo ainda, de elementos de origem francesa, verifica-se que entre 1954 e 1964 o número de estabelecimentos diminuiu de 3 por cento, cerca de 5 por cento para o comércio por grosso, pouco menos de 3 por cento para o de retalho. Mas é por sectores que esta evolução é mais divergente: designando por grupo A os estabelecimentos que se dedicam à comercialização da produção agrícola, da alimentação e do vesturário e por grupo B os que vendem equipamento industrial e geral, equipamento para o lar e artigos de recreio, luxo e higiene, verifica-se que aqueles diminuem, enquanto estes aumentam (variações entre 1954 e 1964):

Está esta evolução intimamente ligada à modificação no modo e nível de vida das populações, bem como à procura rígida de muitos dos produtos vendidos nos estabelecimentos do grupo A. Mas a razão principal estará nas modernas formas de comerciar, que em relação àqueles sectores se tem especialmente desenvolvido. Cabe por isso aqui fazer uma referência, ainda que breve, a essas novas formas de venda ou de comércio que há pouco tempo apenas fizeram a sua aparição entre nós. Começar-se-á pelos supermercados e outras formas de auto-serviço 7, cuja importância, à semelhança de outros países, é de esperar se venha a acentuar, sobretudo quando bem localizados, procurando uma clientela com características e possibilidades financeiras diferentes da grande massa populacional, proporcionando-lhe facilidades de transporte e ou de estacionamento. É de referir que tais estabelecimentos - existem 23 apenas, 15 dos quais em Lisboa e Porto (3 com mais de 400 m2, 15 entre 200 m2 e 400 m2 e 5 com menos de 200 m2)8 - poderão ter decidida influência na normalização, embalagem, nível de apresentação e de higiene dos produtos comercializados pelos retalhistas independentes, que, aliás, não substituem e que têm amplas possibilidades de sobrevivência, sobretudo se souberem adoptar do livre-serviço alguns elementos importantes - embalagem, apresentação e higiene dos produtos -, dispondo de armas próprias, entre as quais, por exemplo, das mais importantes, é o contacto directo com os clientes.

Será de realçar que a evolução crescente dos supermercados estará dependente de factores exógenos importantes, nomeadamente:

Embalagem directa pelo produtor ou fabricante, evitando secções próprias de embalagem;

Melhoria do nível de vida do consumidor e dos seus hábitos;

Eliminação de dificuldades (alvarás municipais, por exemplo) à venda de certos produtos;

que, quando obtidos, tenderão à prática de melhores preços por custos mais reduzidos.

As associações voluntárias de grossistas e retalhistas só agora também começam a aparecer entre nós, mas têm grande importância no estrangeiro:

Em 1963, em França, havia 20 associações, agrupando 500 grossistas e mais de 50 000 retalhistas;

Na Alemanha englobavam 53 000 retalhistas, representando 37 por cento das vendas do sector alimentar;

Na Holanda havia 80 agrupamentos com 290 grossistas e 17 000 retalhistas.

Um dos meios mais interessantes destas associações é precisamente o auxílio técnico que os grossistas podem prestar aos associados retalhistas, no sentido de lhes actualizar os processos de venda - exposição de artigos, produtos embalados, móveis especiais, campanhas de publicidade e promoção de vendas -, permitindo-lhes ainda compras menos onerosas ou manutenção de stocks mais baixos e facilitando-lhes meios financeiros para modernização dos seus estabelecimentos. A experiência portuguesa não permite ainda tirar conclusões da eficiência do sistema entre nós.

Também as associações ou centrais de compra de retalhistas (35 000 retalhistas em França, 50 000 na Alemanha, 25 000 na Holanda, em 700 agrupamentos de compra) poderão vir a ocupar lugar importante no nosso comércio, à semelhança do que se passa no estrangeiro, agrupando compras que se efectuam, portanto, em melhores condições que pequenos armazenistas. Cabe aqui deixar também uma palavra sobre as cooperativas de consumo 9, apontadas como uma das panaceias para os «males comerciais». O seu fraco desenvolvimento parece provar que a solução não estará efectivamente na criação de cooperativas, facto que se verifica não apenas em Portugal, mas na maior parte dos países, excepto, possivelmente, os escandinavos (em França, por exemplo, representavam as cooperativas apenas 2,5 por cento do comércio a retalho, sendo seu objectivo, considerado ambicioso, atingir 5 por cento da distribuição francesa em 1980!). Para além da incompleta consciencialização das eventuais vantagens dessas instituições e certa desconfiança perante o fenómeno cooperativo, muitas vezes justificada 10, os restantes motivos apontados no projecto do Plano, seja carência de fontes de financiamento acessíveis, atrasos na adopção de modernas técnicas de gestão, exorbitantes alugueres na cidade de Lisboa para estabelecimentos de auto-serviço, são

7 De notar que o auto-serviço se aplica hoje também no comércio por grosso, sistema cash and carry, que começa a expandir-se na Europa.

8 Ao contrário da legislação portuguesa, que fixa como área mínima de venda 200 m2, os especialistas classificam como supermercados apenas os pontos de venda com área superior a 400 m2. Em França, em 1 de Janeiro de 1966, havia 584 supermercados e 9373 pontos de venda em auto-serviço com áreas inferiores a 400 m2.

9 Embora no capítulo em análise se fale também em cooperativas de produção, é evidente que aqui só interessam as cooperativas de consumo, que, até certo ponto, se substituem aos comerciantes. As cooperativas de produção têm, aliás, interesse para o comércio na medida em que permitem, por agrupamento de pequenos produtores isolados e débeis, um interlocutor mais válido nas transacções, com melhores custos, evitando também a acção de intermediários no necessário «ajuntamento» de pequenas produções, que, assim, se encontr am reunidas; não podem considerar-se, porém, elementos de um circuito comercial puro, excepto na medida em que vendam directamente ao retalhista ou consumidor final, como pode acontecer com qualquer outro produtor.

10 Sobre o assunto veja-se uma exposição da Corporação do Comércio enviada em 27 de Abril de 1964 ao Ministério da Economia.