Sobre o assunto, parece às subsecções que a realidade se contém nos períodos que a seguir se transcrevem e em parte se sublinham 3:

De essencial julgamos de reter não parecer legítimo, em face da situação apresentada, que se apreciem os planos e realizações nos sectores de urbanismo e de habitação, em comparação com o que se verifica em países com capacidade de consumo três, quatro ou seis vezes superior, sem que se aplique sempre este índice de correcção. Porém, parece não haver dúvida de que só na promoção económico-social e cultural da população portuguesa se poderá encontrar a solução de base para estes como para outros problemas, convindo, nesse sentido, que o esforço a despender em cada sector contribua, sem a prejudicar, para a recuperação que se impõe. O cálculo da carência habitacional, ou seja, do número de fogos a construir para suprir as necessidades da população portuguesa, enferma - como não podia deixar de ser - de dúvidas que surgem na interpretação das estatísticas, da falta, em alguns casos, dos próprios elementos estatísticos necessários e, de um modo geral, de interpretações pessoais, mais ou menos falíveis, embora baseadas em normas correntes.

Nota-se falta de dados, por exemplo, quanto ao número, que se sabe ser elevado, de habitações que se classificam de «clandestinas», e quanto aos números que representam os contingentes emigratórios reais, que têm importância para a determinação dos saldos demográficos, uma das bases do cálculo de carência. Quanto a critérios pessoais, eles podem levar a que se avalie o déficit carencial em 483 000 fogos, ou num número compreendido entre 108 701 e 74 961, apenas sucedendo que os números finais se assemelhem, porque são diferentes as necessidades atribuídas por ca da um dos avaliadores para suprir as faltas devidas à evolução demográfica e ao estado de envelhecimento do património habitacional. A primeira parcela da soma indicativa da carência habitacional refere-se aos 618 fogos que serão necessários para alojar igual número de famílias que não dispõem de habitação alguma.

Quem são estas famílias? Estarão incluídas neste número, em parte importante, famílias que vivem em condições ambulatórias - ciganos, artistas de circo, etc. Seria de interesse sabê-lo com precisão, recorrendo ao inquérito directo, na certeza de que, se é de facto aquela espécie de famílias que o condiciona, pouco valerão providências que tendam a proporcionar-lhes habitações estáveis, dadas as características ancestrais dessas populações nómadas ou as exigências da profissão. A segunda parcela, mais importante - 30 386 fogos -, refere-se às famílias com habitação sem ser em prédio. O eufemismo conduz-nos directamente ao problema dos chamados bairros de lata, cancro social que aflige todos ou, pelo menos, alguns dos países em que se processa a revolução industrial.

Os documentos preparatórios do projecto de III Plano de Fomento quase se limitam a registar a sua existência, e a mostrar o seu paralelismo com os slums, bidonvilles, favelas, etc., sugerindo para solução do problema a construção de bairros provisórios, muito simples.

No entanto, como se não propuseram nem previram verbas específicas a tal fim destinadas, e como o encargo dessas construções excede a capacidade financeira das câmaras, acontecerá que tudo ficará mais ou menos na mesma - se é que se não agravará -, com ofensa para o sentimento de todos nós.

No âmago da questão não penetrou o estudo. Quem habita esses bairros? Quais as profissões que neles predominam? Há neles pessoas com actividades, embora modestas, cujas remunerações lhes permitam habitar um fogo? Ou haverá só gente sem recursos, atraída das suas aldeias, na mira de salários mais altos, por empresários sem escrúpulos, que os abandonam uma vez feita a sua exploração? Viverá neles aquela multidão de vendedores ambulantes que enxameia Lisboa e os centros mais importantes do País? São tudo interrogações a que não se dá resposta e que importa esclarecer, porque talvez tenham remédio com medidas de profilaxia social e educativas, mais próprias do que disposições consequentes, violentas ou não, que têm o grave inconveniente de ferir interesses que se deixaram criar à vontade e de ofender sentimentos elementares de humanidades.

As subsecções não podem fazer mais do que chamar a atenção para o candente assunto, mas fazem-no com insistência, na certeza de que o problema merece e tem de ser estudado. Quanto ao saneamento físico desses bairros, relembra-se o que sobre o caso já se escreveu sobre a necessidade de acudir a essa situação 5.

3 Relatório do Grupo de Trabalho.

4 Quanto a Lisboa, a sua Câmara Municipal dispõe de elementos, colhidos em inquéritos directos, que muito úteis serão para o estudo do problema.

5 Cf. o citado parecer subsidiário anexo ao parecer n.º 18/VIII da Câmara Corporativa.