bre estruturas humanas organizadas diferentemente destas nossas em que o movimento tomou balanço, ressurge de tempos a tempos a questão, aliás clássica, da ruptura dos sossegos estabelecidos - sabe Deus sob que tensões recalcadas! -, do mal-estar que desperta e do valor real dos avanços que trouxe.

Sem embargo, aos políticos cabe primeiro considerarem os anseios dos povos, e certamente não há hoje em dia aspiração mais generalizada, desejo mais forte nos homens, do que a da melhoria das condições de vida, de maior bem-estar, porque já não duvidam da sua possibilidade, em continuados- acréscimos, como fruto do desenvolvimento económico e social. A multiplicação das comunicações e a inserção nestas da arte de despertar apetites romperam as últimas resignações da ignorância, universalizando veemências de desejo que exigem satisfação. Um grande facto do nosso tempo é que as gentes, desenganadas por dois séculos de experiências de se livrarem das privações terrenas por graça automática dos sistemas de governo, reconheceram e aceitam ter de criar a riqueza desejada por esforço próprio; mas, em contrapartida, requerem implacàvelmente que seja no maior proveito comum e, cientes das novas oportunidades, aferem as políticas pela capacidade de melhor e mais depressa os encaminharem nestes sentidos.

Aliás, a grande voz de Roma, já aqui apropriada e brilhantemente recordada, o sábio conselho do Santíssimo Padre Paulo VI, falando donde se julga o actual à luz do eterno, deu-nos, com a lição da necessidade do desenvolvimento, a mais aliciadora e bela definição dele: é a ascensão a condições mais humanas de vida.

Condições mais humanas, não só na esfera da existência material, pois «o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo ...». Mas, nessa, importantìssimamente, porque o desprendimento dos bens terrenos é virtude de santos, e às pessoas comuns não se pode faltar com eles desde que os entrevejam acessíveis.

Os que duvidam ou mesmo mofam do progresso e do crescimento material como alvos ilusórios, como vãs persecuções de melhorias sem conteúdo, como perturbadores do sossegado desfrute dos bens já assegurados e do gozo do dom de viver nos favores e no louvor da Previdência, serão muitas vezes os satisfeitos que não cuidam das privações dos mais desvalidos, mas o que são sempre é esquecidos e desagradecidos do que estão aproveitando dos progressos e do crescimento conseguidos pelas incontáveis gerações que desde a origem do Mundo lhes criaram as condições de já se permitirem dizer que agora basta. Mas não basta! Não basta ainda para todas as crianças terem instrução, todos os homens trabalho decentemente pago, todos os doentes meios de cura, todos os inválidos abrigo, todas as pessoas a dignidade que lhes aumente a humanidade.

Deus criou o Mundo e disse aos homens que crescessem e. se multiplicassem e, ao mesmo tempo, que previssem ao próprio sustento no Mundo que lhes dera; aumentar as riquezas deste Mundo, para o sustento dos homens em multiplicação, é certamente realizar o mandado divino.

Vozes: - Muito bem!

aumentam em novas multidões a reclamá-lo, a atitude perante as questões económicas tem de ser toda outra. Não se trata de uma subversão dos valores: trata-se de dar o devido valor aos meios de servir o comum e satisfazer os homens nas suas aspirações actuais.

Ora nós, em Portugal, ainda estamos muito repassados dos antigos conceitos de quietude económica. O espírito de iniciativa e inovação, o contraste das capacidades pela concorrência, o respeito do lucro - o lucro que até as economias socialistas já se viram forçadas a admitir! - como medida de produtividade e fonte de capitais para investimento, ainda repugnam fortemente a muitas mentalidades formadas no quadro das medianias resignadas;, afeitas às estratificações sociais e temerosas de responsabilidades, inclinadas a ver nas actividades económicas funções sómente ancilares. Agora mesmo, quem não continua a arrecear-se dos excessos de colheita ou fabrico? E, a fazê-los absorver pela ampliação dos mercados, não prefere acobertar-se sob os condicionamentos garantes de ganhos fáceis e vendas certas?

Se procuramos o desenvolvimento económico, como este Plano testemunha - e não há presentemente outra alternativa -, teremos não só de criar condições políticas e financeiras, necessitaremos também de aceitar a ética que há-de facilitar a compreensão, justificar as acções, animar as decisões, a ética do desenvolvimento, concedendo categoria moral à empresa fornecedora de bens ou de serviços como factor do maior bem-estar do maior número possível de pessoas e de valorização do seu trabalho.

E esta categoria moral há-de ser aferida pela boa gestão dos elementos produtivos e pela capacidade de gerar outros novos. Não se trata da empresa desenfreada do capitalismo liberal, usando da força competitiva como arma para destruir as rivais à custa da exploração do trabalho e da espoliação dos consumidores, nem da sua sucessora do momento de crise, a empresa espartilhada num neo-corporativismo bem intencionado, embora, como o da Idade Média, rigidificado por tendências de equilíbrio estático, mas da empresa dinâmica da nossa era de explosão populacional, em quantidade e desejos, que os mercados esclarecidos e os trabalhadores organizados constrangem a servir bem, que na concorrência assim limitada se aguça em capacidades, que no lucro, medida e prémio do valor acrescentado por obra da sua diligência, e não já fruto da especulação hábil ou de privilégio, procura o instrumento para contentar colaboradores e criar melhores meios de acção.

A ética do desenvolvimento não deixa de postular a acção do Estado para manter o meio livre, e coarctar abusos, mas requer mais presteza nas suas intervenções, mais flexibilidade nos regulamentos, mais prontidão nos despachos, mais actualidade nos critérios, maior liberdade para as iniciativas e, com esta, máxima responsabilidade para os empresários e mais respeito pelos seus esforços.