E no seu artigo 1.º:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros num espírito de fraternidade.

O que estou dizendo é o resultado da reacção interior que tive ao ler as declarações feitas pelo delegado de Portugal, Dr. Bonifácio de Miranda, na Comissão de Colonialismo das Nações Unidas. O que provocou a intervenção do ilustre diplomata é a negação absoluta dos princípios enunciados, mas não seguidos, que pregam a amizade entre as nações e a existência de um espírito de fraternidade razão puramente política, se falte ao espírito que orientou a elaboração de um documento ímpar como a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Mais: como se aceita abandonar os próprios irmãos, irmãos, porque homens, negando-se-lhes uma assistência que é considerada, eficiente (do que duvidamos) sómente porque essa assistência é feita através de uma acção da Nação Portuguesa.

Terrível decisão, que só pode nascer em espíritos recalcados e vingativos, perante a impossibilidade de vencer uma vontade baseada na justiça e no direito.

Limitando as minhas observações à Organização Mundial de Saúde, de um dos quadros da qual sou considerado perito, que sempre recebeu do nosso país o mais desinteressado apoio, que culminou com o desempenho por dois médicos portugueses dos lugares de director do Comité Regional Africano e de medical adviser, sou forçado a concluir que mal vai o Mundo quando procura fazer depender de atitudes políticas a acção daqueles a quem deve estar entregue, na plenitude, o encargo de zelar pela saúde dos povos.

O facto de passar a ser-nos negado por uma agência da O. N. U. o auxílio técnico que nos deve permite algumas considerações que gostaria de transmitir a V. Ex.ª, na dúvida de se elas não enfermam de um defeito de apreciação que se liga à minha qualidade de médico, votado a servir o meu semelhante, como o impõe a profissão que abracei.

Referi-me já à dificuldade que tenho em conceber, como também foi citado pelo ilustre delegado de Portugal, como é possível negar auxílio técnico às populações que os mesmos que nos condenam apregoam quererem defender sob todos os aspectos. Só encontro uma explicação, e se essa é, ela é válida: pensam os que nos condenam que a nossa acção médica no ultramar português tem valor suficiente para sobre ela poder incidir toda a responsabilidade e permitir dispensar qualquer auxílio material ou técnico da Organização Mundial de Saúde. Se essa é a razão, aceitamo-la, porque, reconhecendo uma verdade, representa também uma preocupação de economia que, sou obrigado a dizer, compreendo, pois permitirá canalizar essas verbas para fazer face às vultosas despesas de outra natureza, que segue a linha de conduta em que alguns dos que nos condenam dispensam, num fausto de poucos dos seus dirigentes, o produto do trabalho de muitos, ou as verbas conseguidas por empréstimos para a concessão dos quais não procuramos explicações.

Na verdade, o que nos tem sido concedido pela Organização Mundial de Saúde é muito pouco: resume-se à concessão de escassas dezenas de bolsas de estudo de montante insuficiente para as necessidades vitais daqueles a quem têm sido concedidas e que o Governo da Nação sempre procurou completar, atingindo o que é normalmente concedido como ajudas de custo a funcionários. Além disto, c durante poucos anos, uma quantia que atingiria, em média, 2500 contos anuais, destinada ao programa de erradicação da malária em Moçambique, onde um grupo de técnicos da Organização Mundial de Saúde nos prestava auxílio, auferindo e despendendo soma mais elevada do que a que nos era concedida.

Estes, singelamente, os auxílios técnicos e materiais que nos foram prestados em benefício das populações da África Portuguesa.

Ocorre perguntar o que tem sido a nossa acção no mesmo sentido; também, resumidamente e com omissões, o citaremos. Faço, só de passagem, a referência ao facto de as nossas redes sanitárias, embora com enormes deficiências numéricas que não devemos ignorar, constituírem, mesmo assim, aquelas de mais apertadas malhas em toda a África Negra ao sul do Sara. Há, no entanto, a esperar que rapidamente essa deficiência venha a ser colmatada graças aos esforços que se despendem nas Universidades do ultramar; pode esperar-se que, dentro de dois anos, médicos licenciados no ultramar português estejam preparados para começar a preencher as falhas que se verificam.

E ocorre afirmar que a medicina no ultramar, porque medicina de massas, actua num sentido mais eficiente que a da metrópole, onde predomina a medicina curativa, num confrangedor atraso em relação à medicina moderna.

Se os médicos dos quadros constituem a base da nossa acção no ultramar, outras actividades se têm processado e se estão processando em todas as parcelas do nosso Portugal: são os trabalhos de missões sucessivas que da velha Escola de Medicina Tropical e do seu directo sucessor, o Instituto de Medicina Tropical, actuaram no ultramar executando estudos preparatórios e estabelecendo, em conjunto com os serviços de saúde, bases para o combate a algumas doenças: o extermínio do agente transmissor da doença do sono na ilha do Príncipe, os estudos da mesma doença em Moçambique e na Guiné, e da bilharzíase na primeira destas províncias, e das dermatomicoses e da lepra em Angola, e do paludismo em Timor, os de índole hematológica, dermatológica, protozoológica e helminto-lógica na Índia e na Guiné.

Como resultado destes estudos e campanhas, nascem as missões permanentes, das quais queremos citar desde já, porque o valor e eficiência do seu trabalho foi dado como exemplo pela própria Organização Mundial do Saúde, a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono e outras Endemias da Guiné. Merece o trabalho desta Missão, que inicialmente se destinava só ao combate e estudo da doença do sono, esta referência pelo seu notável trabalho, que se valorizou extraordinariamente quando, após um estudo da incidência da lepra, que abrangeu 20 por cento da população, foi possível manter em observação a totalidade dos habitantes da Guiné, que ascende a meio milhão.

O Sr. Castro Fernandes:- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

Vozes: - Muito bem!