Da geração seguinte, logo Pascoais o classificava, na Águia, como «um dos maiores poetas que a mulher e a terra portuguesa têm dado à luz do dia».

Nas gerações posteriores à minha o seu influxo é bem notório. Na impossibilidade de pormenorizar, apenas lembrarei José Régio, porventura o maior dos nossos poetas vivos, que carinhosamente classificou Nobre como «o menino bonito da poesia portuguesa».

Mas eu quero ater-me apenas a duas qualificações expoentes de Nobre, dos da minha geração, quer coimbrã, quer não, uma do sempre saudoso mestre Sardinha, outra do portentoso Fernando Pessoa, que à nossa geração, embora não académica, nem de cenáculo, pertenceu também.

Sardinha já em Coimbra proclamava que Nobre era «o Camões da decadência».

Este conceito o roborou por escrito, mais tarde, num soneto da Pequena Casa Lusitana.

Pessoa, por 1915, em A Galera, como se vê em número recente de O Tripeiro, comemorativo deste centenário, proclamou: «Quando ele (Nobre) nasceu, nascemos todos nós.»

Isto em remate do que antes referira: «De António Nobre partem todas as palavras com sentido lusitano que de então para cá têm sido pronunciadas».

Esta influência de Nobre sobre as gerações subsequentes, assim expressa por Pessoa, corresponde em Portugal como que «ao quebrar da esquina» para a modernidade na poesia que, quarenta anos antes, a França sofrera com as Flores do Mal, de Baudelaire, por Hugo qualificadas de frisson noveau.

Isto, já se vê, à parte a diferença temperamental dos dois poetas, em correspondência, aliás, com a dos seus países: o francês cerebral, místico satânico, de alicerce clássico, o nosso sensitivo lusíada certo cristão, de raiz.

No entanto, através de um recente inquérito formulado por uma revista de doutrina e crítica sobre a influência de Nobre sobre as novas gerações de poetas, uma parte destes recusa reconhecê-la nas próprias obras.

A propósito deste como que evaporar-se parcial do influxo de Nobre da consciência poética contemporânea ocorre-me lembrar uma, aliás, bem conhecida anedota:

«A famoso árbitro londrino de elegâncias alguém observou que, por não tê-lo visto em recente corrida de cavalos, não pudera admirar, dessa vez, o seu consagrado esmero no vestir. O que deu azo ao interpelado brummell de responder:

- Ah!, não deu por mim? Agora fico certo de que realmente vestia bem.»

Translademos ao tema em curso a lição da anedota.

A poética multimoda de Nobre, com influxo tão confessadamente aceite, como vimos, pelas imediatas gerações literárias, tem continuado, viva, a influir genericamente sobre as gerações sucessivas. Tal influência tem-se operado, porém, por tão perfeita impregnação subtil que, relegada para as profundas do inconsciente de alguns dos seus beneficiários, estes nem dão por ela.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na impossibilidade de aqui irmos mais longe, tanto nos basta para desarmar uma pretendida arquitectura crítica no sentido de se encarar Nobre, afora o seu estro, como mera emanação do meio pequeno-burguês em que foi gerado, embora em inconformismo doloroso com o respectivo ambiente capitalista.

Em socorro dessa tese invocam-se os manes de Garrett, que, esse sim, no seu progressismo desfraldara, irreversível, abertas velas ao liberalismo, e, por que não?, já decerto no sentido inevitável dos supostos ventos da história!

Admite-se assim o postulado do nacionalismo implícito da obra de Nobre. Esta confissão a aceitamos em pleno. E, porém, propositadamente falso o pretendido argumento tirado da lição de Garrett, como se esta se tivesse mantido inalterada até à morte, desde os primórdios do seu liberalismo.

As desilusões que colheu na sua prolongada experiência política são, no entanto, notoriamente famosas. O seu poenitet me acha-se sobejamente ilustrado, por exemplo, no ensaio adrede publicado por Sardinha no Glossário dos Tempos.

Reconhecido irrecusável o nacionalismo de Nobre, só se pretende, dessa banda, barrar aquilo que, em pura concepção pequeno-marxista (petite souris deviendra grande ...) se haja por suposto residual de um delinquescente capitalismo talhado a gosto para o efeito.

E tais valores residuais seriam apenas isto: os patrimónios cristãos, culturais, morais, de patriotismo, de virtudes militares e cívicas. Em suma! O portuguesismo militante que realizou esta Pátria e mercê do qual nos tem sido possível prosseguir corajosamente a resistência em África ... e na metrópole!

Só isto!

Por isso, em boa hora rendo todas as nossas homenagens a Nobre pelo seu centenário.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como melhor compreendemos agora, por tabela e tabela seca, a designação de Sardinha: «o Camões da decadência.»

A sua ânsia «lusíada» de reabilitação nacional assaz ressalta do poema incompleto «O Desejado». E quando por 1896, das proezas africanas dos Galhardos e Mouzinhos, como proclamava desvanecido: «... foram-se os reveses! O que lá vai por África, Senhora!»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo que acabamos de dizer, e para além dos justos louvores que multilocalmente lhe são tributados, cumpre que neste hemiciclo pelo seu centenário homenageemos nacionalmente António Nobre, embora despido daquele fúnebre aparato que já não calha aos nossos dias.

E que importa à sua glória que certos transeuntes, manejando lanternas com feixes de luz dirigida, continuem, furtivos, a ladrar «ao Lua»!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1968.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Alves.

O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: Como é do conhecimento geral e se afirma - e reitera no preâmbulo da proposta de lei em debate nesta Câmara, é de recessão o clima económico português.

Afirma-o a pena autorizada de S. Ex.ª o Ministro das Finanças e confirmam-no os indicadores disponíveis.