para renegá-los. E viu-se como era forte a convicção, a fé, a simpatia professadas por esse estadista que lhe parecia fadado para orientar a política portuguesa, cansada de assistir ao círculo vicioso de processos políticos tão imorais como perniciosos para o equilíbrio das forças produtoras da Nação.

A cisão de Maio de 1901, declarada na Câmara dos Deputados, ainda mais firmou o Dr. Fortunato de Almeida no seu credo político. Nem o abalaram promessas sedutoras da melhoria da sua situação pública, se desertasse e atraiçoasse, nem o entibiaram ameaças, alternadas com reiterados acenos de prosperidades, nem lhe enfraqueceram o ânimo viril os constrangimentos que adrede lhe foram criados para o desgostar: a sua consciência ergue-se superior a todos os tropeços que à curteza de vistas dos serventuários de uma situação essencialmente corruptora e corrupta apraza atirar-lhe.

É o Diário Ilustrado prossegue no seu retrato:

O abalo produzido na opinião, depois da separação franquista, inspirou a criação do jornal Folha de Coimbra, fundado pelos Drs. Teixeira de Abreu, Bernardo Aires e Fortunato de Almeida. A colaboração destes três polemistas enérgicos e brilhantes fez-se sentir na Folha de Coimbra, um dos mais bem redigidos jornais políticos. A todos anima o mesmo ideal de justiça e fé em melhores destinos para a Pátria Portuguesa.

A figura de Fortunato de Almeida cresce de relevo e precisão pelo contraste das sombras projectadas neste seu retrato pelos traços escuros da seguinte caricatura do semanário Branco e Negro, de 5 de Junho de 1896:

Tinha menos amor à ciência jurídica do que à Igreja e ao Papado. Depois deste esguicho de veneno, a víbora anticlerical insiste nas suas investidas, chamando-lhe produto da sua época, por aferrado ao conservantismo monárquico-teológico, e denunciando-o de ter publicado dois livros ultramontanos e uma réplica ao ruidoso livro do Sr. Borges Grainha.

Como se vê, vem de longe o vezo pouco nobre de apreciar os homens não pela sua alma, nem pela sua inteligência e valor das suas obras, mas em função partidarista de uma atitude política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Fortunato de Almeida não publicou apenas dois volumes, como veremos já. E antes de escritor, ou, talvez melhor, simultaneamente, foi jornalista. Redigiu bastante tempo a Ordem, escreveu na Revista Contemporânea e também colaborou no Académico, da Guarda. Foi, além disso e ao lado de pedagogo, investigador de méritos reconhecidos, como se deduz do facto de ser membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Instituto de Coimbra, da Academia das Ciências e da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos.

É longa a sua bibliografia. Em 1894 saiu com Avaliação do Domínio Directo nos Prédios Foreiros. No mesmo ano foi premiado em concurso do centenário do infante D. Henrique pelo seu trabalho O Infante de Sagres. Em 1895 replicava à tese do Dr. Afonso Costa, publicando A Questão Social. Em 1902 apareciam os seus Princípios Científicos de Geografia, a que acrescentou as suas Crónicas Geográficas. Em 1903 publicava a História das Instituições em Portugal. Em 1907, um Curso de História Universal e um Curso de História de Portugal. Em 1908, Nomenclatura Geográfica. Em 1909, Curso de Geografia Física e Política. Em 1910, Alexandre Herculano Historiador.

Devem-se-lhe muitos outros estudos dispersos, de que destacarei: A Questão do Apresamento da Barca «Charles et George» e o Conselho de Estado; D. Francisco de Almeida Lobo; Subsídios para a História Económica de Portugal; A Ordem de S. Bento; O Colégio Beneditino de Lisboa; Jesuítas e Congregações Religiosas. E para o fim intencionalmente deixei a História de Portugal, em seis volumes, e a História da Igreja em Portugal, em oito volumes, que vêm desde 1910.

Foi na história que Fortunato de Almeida marcou a sua posição de escritor. Sem imolar no altar de Comte, recusando dobrar a cerviz à ditadura do positivismo, de que foi marechal entre nós Teófilo Braga, manteve, dignamente, a fidelidade às fontes, sem as quais se pode criar literatura de ficção, mas não escrever história, verdadeira ciência e ciência verdadeira. O seu conceito de história deduz-se do prefácio à História da Igreja em Portugal:

Oferece a história o campo mais vasto e variado para se exercerem as faculdades do discernimento e do juízo humano; porém, todo o trabalho será vão e improfícuo se o espírito do historiador criar pela fantasia as circunstâncias históricas, em vez de as deduzir clara e serenamente do exacto conhecimento dos factos.

Fazendo a história da História da Igreja em Portugal, acrescenta que até à Academia Real da História, fundada como sabemos por D. João V e graças à iniciativa dos P.es Caetano de Sousa e Barbosa Machado, pouco mais se havia feito nesta matéria do que os livros de D. Rodrigo da Cunha, escritos em grande parte sob a influência dos falsos cronicões que tanto enredaram de lendas e fábulas ridículas a história eclesiástica da Península.

Referindo-se ao trabalho da Academia, anota:

Conquanto lhe fosse possível ter produzido obra de maior valia, reuniu elementos apreciáveis, que, todavia, não chegaram a completar-se e organizar-se em obra sistematizada. Só na segunda metade do século XVIII D. Tomás da Encarnação fez a primeira tentativa de uma história eclesiástica de Portugal, que levou até ao século XIV.

Era um espírito ponderado e organizador, mas lutou com a escassez de materiais e a má qualidade de alguns que aproveitou, de tal modo que a voga e reputação da sua obra se deve atribuir principalmente à circunstância de ser o único trabalho de conjunto sobre tal matéria.

Do P.e João Pedro Ribeiro, do segundo quartel do século XIX, classificando-o de grande investigador e paleógrafo, diz que traçou um quadro dos assuntos que deviam ser tratados, reconhecendo que muitos deles estavam intactos ou apenas indicados, ao passo que muitos outros precisavam de ser corrigidos, aditados e continuados. E certo é que, sublinha ainda, depois de D. Tomás da Encarnação nenhuma tentativa se fez digna de tal nome. Concluindo o seu escorço historiográfico, acentua que, entre os escritores mais recentes, apenas se pode