os serviços militares. Antes que tal se legitime, tem de fomentar-se aceleradamente a educação de grandes massas femininas, designadamente as dos centros rurais, ainda vítimas das limitações ancestrais que estão fundamente enraizadas.

E chego, finalmente, ao capítulo da taxa militar, que mais especialmente feriu a minha atenção.

Li com ansiedade os dois regimes deste tributo estatuídos na proposta e no parecer da Câmara Corporativa e confesso que me causou estranheza, perante a sua pormenorizada regulamentação, não ver decretada em nenhum dos aludidos textos a isenção da taxa militar para aqueles que, por pavorosa infelicidade - sua e nossa -, não podem prestar o seu concurso à defesa da Pátria, por serem portadores de defeitos físicos irremediáveis que lhes transformam a existência em penoso e permanente calvário.

O regime vigente há anos sujeitava estes infelizes indivíduos a essa taxa, que tinha de ser paga pelas forças do seu agregado familiar, desde que pudessem desempenhar qualquer missão, por mais insignificante que ela fosse.

À sombra de tal legislação, contida em dois decretos, e por mercê de interpretação aberrante dos seus comandos e do seu espírito, foram tributados sem dó, nem piedade, cegos, aleijados, mentecaptos, paralíticos e quejandos infelizes, e em tal número que, em determinada repartição do Estado em que se operava o processamento do tributo, chegaram a pender alguns milhares de processos aguardando pagamento compulsivo.

Tomei conhecimento desta situação através do caso aflitivo da família de um rapaz lesado por fortíssimo ataque de paralisia que na infância o privou dos membros inferiores e cuja mãe, viúva de um trabalhador rural, que deixara como único bem um pequeno tugúrio onde a família se albergava, se viu ameaçada de penhora do tugúrio, se não satisfizesse uma avultada importância de taxas acumuladas que foram lançadas àquele pobre paralítico!

Condoído com o sofrimento desta pobre família, tratei nesta Câmara dos pungentes problemas que o indiscriminado lançamento e cobrança coerciva da taxa militar dos inválidos estava a causar a estes e às famílias, tendo sido revista a interpretação que conduzira a tantas e tão flagrantes injustiças.

Não tenho, na verdade, conhecimento de casos em que o impiedoso sistema recidivasse nas suas altas inconveniências; todavia, tenho por certo que numa lei a que se procura conferir um cunho de íntegra justiça social, definindo apropriadamente direitos e obrigações num clima de compreensão altamente louvável, essa preocupação conduz necessàriamente a que se deixe expressamente consignada a isenção a tal tributo dos que, pelo denso negrume da sua sorte, não são escorreitos do corpo ou do espírito por forma a poderem cumprir os seus deveres militares. Esta medida tem em si mesma a maior justificação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que os inaptos por desvalorização física ou mental não são culpados da sua inferioridade, nem infelizmente está nas suas mãos fazê-la terminar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com que indizível felicidade esses pobres farrapos humanos trocariam a bengala branca, as muletas, o carrinho ou qualquer outro instrumento com que iludem a sua permanente inferioridade pela espada ou pela espingarda das gloriosas forças armadas, que só os homens válidos podem manejar ...

Obrigá-los ao pagamento da taxa militar com fundamento na sua invalidez é, ao cabo e ao resto, tributar a própria desgraça ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem o preceito que consigne expressa e claramente a isenção à taxa militar destes indivíduos, a quem o sofrimento acompanha dia e noite e para quem a vida tem encurtadíssimos horizontes, o texto que venha a ser aprovado para constituir a Lei do Serviço Militar deste País ficará com uma lacuna que deixa comprometidos os primados de justiça que são seu apanágio.

Deixo o assunto à esclarecida ponderação desta Câmara, certo de que pelos meios apropriados a Comissão parlamentar que estudou os textos que se discutem introduzirá o acrescentamento que contenha a justíssima isenção que se postula.

Sr. Presidente: Vou dar por findas as considerações que me sugeriram as duas versões da proposta de lei que apreciamos.

Pesa-me que não tenha podido trazer à discussão no plenário o depoimento valioso que tanto desejava produzir.

No seu desvalimento, todavia, o que deixo dito sempre pode representar, além das homenagens que expressei, também o voto sincero e ardente de que a nossa Pátria continue a engrandecer-se pela equilibrada coexistência de todos os seus valores e a impor-se cada vez mais fortemente ao respeito e à consideração do Mundo, com os repetidos exemplos de honradez e de dignidade que lhe vamos oferecendo na ordem interna e nas linhas de combate, onde o sangue generoso da nossa mocidade afirma com indómita coragem a inabalável determinação de continuar Portugal.

Esse comportamento de tão grande significado dá-nos fé e confiança no futuro e chama-nos à mais estreita colaboração, como voz egrégia do passado, orgulhosa do presente, certa de que também se orgulhará do porvir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Ferreira da Cruz.

António Calheiros Lopes.

Armando Acácio de Sousa Magalhães.

Carlos Monteiro do Amaral Neto.

D. Custódia Lopes.

Fernando Afonso de Melo Giraldes.

Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.

Joaquim José Nunes de Oliveira.

José Dias de Araújo Correia.

Júlio Alberto da Costa Evangelista.