E tudo isto em nome de uma pretensa necessidade de fiscalização.

Se se tiver em conta que essa pretendida fiscalização tem sido feita, sempre com a maior eficiência,, pelos numerosos agentes dos vários grupos ou serviços para tal criados e mantidos, e pode continuar a processar-se com igual ou aumentada utilidade, tem de reconhecer-se que outra, e bem outra, é a meta da portaria...

Parece que o que se pretende, afinal, é a eliminação pura e simples do comércio ambulante de azeites, ou seja, dos vendedores ambulantes, tidos e havidos como réprobos, em razão de alguns terem efectivamente prevaricado.

O Sr. Virgílio Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Mas, certamente, tenha a bondade.

O Sr. Virgílio Cruz: - Não vejo na portaria publicada propósitos de eliminação dos vendedores ambulantes, porque eles continuam a poder vender azeite embalado, óleos alimentares estremes embalados e o lotado corrente também embalado; e isto diz-se na portaria, para defesa dos interesses dos consumidores e valorização da produção agrícola.

O Orador: - Continuo grato pelo interesse que V. Ex.ª demonstra pelas minhas considerações.

Devo, porém, esclarecer V. Ex.ª que as vantagens apresentadas em último lugar ainda estão por descobrir. Quanto à actividade dos vendedores ambulantes em face dos produtos embalados, também não oferece a mesma qualquer dúvida.

O problema põe-se e tem de resolver-se considerando, como adiante referirei, que se cria uma profunda desigualdade ao comércio ambulante quando se não permite, como se permite ao comércio retalhista fixo, a venda a granel do lotado corrente. E que normalmente a clientela que se abastece deste produto é desviada do comércio ambulante para o comércio retalhista fixo, e, então, com o lotado corrente adquirirá tudo quanto precisa e esse comércio vende.

É aqui que reside a razão da predita eliminação.

Todavia, Sr. Presidente, não me parece que semelhante medida possa ser decretada na simpleza de um inexpressivo número de uma portaria, tida e havida como definidora de um conjunto de determinações ambiciosas de regularem a comercialização dos gorduras vegetais.

A tal se opõem vigorosamente os mandamentos da nossa Constituição Política e a letra e o espírito do Estatuto do Trabalho Nacional, como decorre, sem qualquer dúvida, do n.º 7.º do artigo 8.º da primeira e do artigo 4.º do segundo, onde se consigna expressamente a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio e o direito ao trabalho, e a garantia dessa liberdade, em qualquer ramo lícito de ocupação, e não creio que tão fundamentais direitos da pessoa humana possam ser derrogados pelo simples ordenamento de uma simples portaria.

Também não vejo que possa ser invocada qualquer razão de força nacional para fazer terminar uma profissão havida como lícita durante mais de um século sem se conceder aos que centraram nessa profissão a sua existência e a do seu agregado familiar um prazo suficientemente longo para lhes permitir a liquidação conveniente de tudo quanto com tal profissão se relacione e sem lhes garantir a sobrevivência a que têm irrecusáveis direitos.

Em que se vão ocupar agora as milhares de pessoas que tem as suas vidas ligadas ao comércio ambulante de azeites fora dos seus rincões natais?

Sem agricultura rentável, para que, de resto, nunca tiveram propensão, e sem indústria que possa absorver as actividades daqueles que se dispusessem a servi-la, só lhes resta o caminho da emigração para refazerem no estrangeiro a sua sincopada existência.

Todavia, a emigração indiscriminada não garante normalmente a sobrevivência de quem quer que seja, e muito menos daqueles que se criaram e viveram nas especiais exigências do comércio.

O problema da reocupação de todos quantos são forçados a abandonar as actividades do comércio ambulante de azeite, a manter-se a discriminação económica que a portaria criou, é, assim, um grave problema com variadíssimas implicações, que essa portaria não encarou no seu afã de abolir, pura e simplesmente, uma classe.

Por outro lado, a deserção dos vendedores ambulantes de azeite dos centros populacionais onde estão a exercer as suas actividades não deixará de produzir inconvenientes de toda a ordem, que há todo o interesse em evitar.

Mas esses inconvenientes não são menores para a economia dos seus concelhos de origem, que, se tal profissão for abolida, deixarão de contar com os investimentos que fazem nas suas terras e com a contribuição desinteressada que os mesmos concedem para a valorização económico-social dos seus concelhos!

Este cortejo de tão avantajadas inconveniências, que superam largamente as débeis vantagens que delas possam resultar, impõe que se faça cessar imediatamente a discriminação que a portaria criou.

Como vinha sucedendo desde tempos já imemoriais, importa que os dois ramos do comércio retalhista - o fixo e o ambulante - sejam tratados igualmente.

Se se entender que o lotado corrente, à falta do nosso saudoso azeite estreme, tem de continuar a ser vendido a granel, não deve ser interditada a sua venda ao comércio ambulante.

Mas se, ao contrário, se reconhecer que é vantajoso que essa mistura só possa ser vendida em embalagens apropriadas, então todo o comércio retalhista deve ficar sujeito a essa medida, cujo alcance me parece ser muito de considerar.

O que, na verdade, importa essencialmente é abolir a delatada discriminação, cuja injustiça é flagrantíssima.

O Sr. Virgílio Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Virgílio Cruz: - É essa a meta para que se está a caminhar. Todavia, como leva o seu tempo a montar a máquina para a embalagem das grandes quantidades do lotado corrente que são consumidas, houve necessidade de começar por uma ponta do circuito, e começou-se pelos ambulantes, onde dizem que a fiscalização é mais difícil.

O Orador: - Sempre grato pelo interesse que V. Ex.ª continua a demonstrar.

Todavia, não me parece que as razões apresentadas por V. Ex.ª colham, em face do que deixo afirmado, que não sofreu contestação.

Efectivamente, nem V. Ex.ª, nem ninguém, demonstrou ainda que o comércio retalhista fixo não tenha também prevaricadores nas suas fileiras.

Desta sorte, a fiscalização também os tem atingido e colhido numerosos exemplos de delinquência neste sector.