Simplesmente, a realidade não tem correspondido a este desiderato. Cada disciplina é ensinada desligada das outras. O professor trata de cumprir o seu programa, e, em regra, não se esforça por combinar a ligação do ensino com os outros. E isto porque, sobretudo no 2.º ciclo, o currículo de nove disciplinas é um convite à dispersão e descoordenação. E certo que o legislador pressentiu o inconveniente, e como que indicou o caminho ao escrever:

O aluno que, embora tenha de estudar num ano sete ou oito disciplinas, apenas tiver de aplicar apreciável esforço no estudo de duas ou três, não se fatigará e poderá facilmente assimilar o que lhe ensinam.

Estas palavras significam que se pretendia fazer incidir a quase totalidade das atenções sobre duas ou três disciplinas fundamentais. Mas, como a lei não disse quais eram essas disciplinas, cada professor considerou a sua fundamental, e tratou de exigir tanto como os outros. Daí o tornar-se este ciclo um autêntico calvário, pois estudar simultaneamente nove matérias é tarefa que ultrapassa a capacidade do estudante médio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o escasso número de horas concedido no plano a algumas matérias (por exemplo, uma ao Desenho e duas ao Francês, à Geografia e às Ciências Naturais) tornam pràticamente infrutífero o seu ensino, devido à longa intervalação de uma aula para outra. Por isso, o 5.º ano, que neste 2.º ciclo é o ano de exame, converteu-se numa barreira difícil de transpor. De tal forma que o Governo viu-se obrigado a seccionar esse exame em duas partes, Letras e Ciências, reconhecendo assim a impossibilidade de a generalidade dos liceais vencer o ciclo apenas em três anos.

É um problema difícil de resolver, dado que todas as disciplinas são realmente indispensáveis à cultura geral. Uma solução seria seccionar o 2.º ciclo em dois currículos, um de Letras e outro de Ciências; porém, isto leva a antecipar a opção por uma especialidade para uma idade em que os elementos indicadores da vocação e das aptidões não estão normalmente bem definidos.

O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Veiga de Macedo: - A antecipação da opção a que V. Ex.ª se refere seria, quanto a mim, contra-indicada e perigosa.

O Orador: - Esta solução será a adequada quando um dia o ciclo comum de base estiver, com outras dimensões de tempo e de conteúdo, preparado para a sua função seleccionadora de aptidões.

O Sr. Veiga de Macedo: - Nem mesmo na hipótese que V. Ex.ª formula vejo como se poderá preconizar qualquer subdivisão entre as disciplinas de Letras e Ciências do ciclo comum do liceu. Tal bifurcação seria manifestamente prematura e inconveniente.

O Orador: - Outra solução seria aumentar para oito anos o curso dos liceus, pois que, assim, far-se-ia melhor a distribuição das disciplinas. Mas esta solução, que, aliás, já se pratica em muitos países, só seria viável desde que se encurtassem os cursos universitários (o que, diga-se de passagem, já há muito se impõe para certas carreiras); mas, mesmo assim, encontraria franca oposição no sentimento do País.

O Sr. Veiga de Macedo: - E muito bem. Sete anos chegam bem, se os programas forem criteriosamente elaborados, se o ensino for feito com eficiência, se os professores forem seleccionados a preceito e estimulados e prestigiados na sua nobre missão de instruir e educar.

O Orador: - A terceira solução estaria em dar plena execução ao pensamento do reformador de 1947, tornando obrigatória a frequência das nove disciplinas, mas condicionando a passagem de ano à obtenção de aproveitamento classificado apenas em quatro ou cinco das que se considerassem fundamentais. Em meu entender, é este o processo que temos de seguir sem hesitações, se quisermos aliviar os adolescentes e as famílias do pesadelo que para eles representa o actual 2.º ciclo.

Quando se tratou de resolver o problema do excessivo número de disciplinas, a vítima foi o Latim; mas, a meu ver, foi eliminado do curso geral sem argumentos convincentes. Com efeito, a alegada inutilidade imediata para a vida e a expressa aversão geral pelo estudo do latim, a admitirem-se como certas, não eram exclusivas deste idioma, pois de quase todas as disciplinas podemos dizer que são imediatamente inúteis para a vida, e de algumas que eram e são geralmente tão combatidas como o Latim.

Não desejo, Sr. Presidente, reavivar esta questão, até porque, com latim ou sem ele, com matemática ou sem ela, com francês ou sem francês, o Mundo continuará a girar eternamente em seus gonzos. Mas cabe fazer algumas perguntas singelas. Não é verdade que o único país latino onde não se estuda o latim é Portugal?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é verdade que com a sua supressão o nível intelectual dos estudantes não melhorou?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é verdade que o seu desconhecimento torna praticamente inacessível quase todo o nosso património cultural do século XVIII para trás? Não é verdade que o seu estudo constituía um óptimo meio para o fortalecimento da memória, a aquisição do hábito de síntese, o rigor de expressão e o apuramento do método? Não é verdade que ele se faz indispensável para o aprendizado consciente e reflectido da língua portuguesa?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como disse, Sr. Presidente, não desejo reacender esta questão, pese embora ao meu afecto por este idioma, no qual me foi dado ler os trechos mais deleitosos, conhecer os pensamentos mais sublimes e aprender a mais profunda verdade de Deus e do homem. Por isso, só mais duas anotações: primeira, nunca encontrei entre milhares de professores que conheço um só que fosse contra o ensino do latim, e julgo que esta unanimidade tem o valor de prova peremptória; segunda, a língua portuguesa, por força do desregramento prosódico e gráfico que o desconhecimento do latim acelerou, corre o risco de perder um dia a sua unidade, o que, é evidente, trará à Nação terríveis prejuízos.

Vozes: - Muito bem!