conversa com os alunos é, em geral, por escrito. A chamada escrita não é invenção minha.

Ainda sob o ponto de vista dos alunos, muita da matéria ensinada não tem visível utilidade e os compêndios são grossos tratados que os adultos editaram para a demonstração orgulhosa de que sabem muito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos esquecer que à juventude de hoje é proporcionada uma literatura de tão avançados recursos didácticos que nela os problemas mais complexos da ciência são tornados acessíveis aos mais leigos e que, a par dos mais arrojados progressos, a juventude acha obsoletos fenómenos e princípios apresentados em seca exposição e no articulado de leis que têm de ser decoradas. Isto significa que ao excesso de matéria se acrescenta o fastio de uma didáctica posta fora de moda pelas revistas juvenis de divulgação.

Sob o ponto de vista dos professores, os programas demasiado extensos não permitem a averiguação amiúde da sua apreensão pelos alunos, forma até de o professor aferir o seu poder expositivo e de comunicabilidade, nem a revisão cuidadosa da matéria dos anos anteriores, tarefa que se deixa então à exclusiva responsabilidade dos alunos, abafados, eles também, sob o peso do programa do ano.

E, vivendo-se neste regime de cada um em luta contra o tempo, falta este para aquilo que a escola deveria dar (e, se o não der, ninguém o dará jamais) e que é a criação de hábitos de ordenação mental e material e a criação do gosto de estudar por estudar, verdadeiro factor de progresso de um povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sair-se da escola com horror ao estudo, cultivar-se apenas por obrigação ou na mira única de uma posição social vantajosa, é um mau capital para uma nação que tem sobretudo de contar, para a sobrevivência no mundo de hoje, com a capacidade de trabalho dos seus filhos. Isto poderá ser filosofia, e não nego mesmo que não seja utópico nos tempos de hoje, mas, quanto mais se abastardam os princípios, maior é a necessidade de os proclamar, para que não esqueçam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: A outra linha mestra que enunciei foi a da evidente aliciação de homens para a função docente., e nela me ferem também os laivos de injustiça que tingem essa boa intenção. Estão por de mais apontadas as razões do afastamento dos homens da arte de ensinar. Razões de ordem material, dizem quase todos; eu direi que também, e em muito, razões de ordem vocacional e de ordem moral. Desprezemos, porém, as razões e atenhamo-nos à verificação dos factos: os homens não vão para o ensino, apesar do engodo que se lhes atira, tratando-se mal as mulheres a quem se permitiu adquirirem exactamente as mesmas habilitações universitárias. Aqui residem os tais laivos de injustiça a que me referi. Os homens que tenham dois anos de colocação como professores eventuais poderão entrar no estágio sem exame de admissão; as mulheres têm de fazer o exame. Os homens e as mulheres com quatro anos de prática são dispensados do exame de admissão, mas enquanto os homens fazem um só ano de estágio, as mulheres têm de fazer dois. Não se conquistam os homens, por óbvias razões, nem as mulheres, com este tratamento diferente. Mas as mulheres que se sujeitam ao Exame de Estado não são mais bem tratadas, porque, estando preenchidas as vagas femininas de efectivas e de auxiliares, só lhes resta engrossar, e nas mesmas condições, a falange de eventuais sem ganho nas férias. Entretanto, muitas vagas masculinas continuam disponíveis e poderiam ser preenchidas, sem esforço especial para a Fazenda, porque estão criadas, por mulheres, embora a título precário, até ao aparecimento de homens. Não é fazendo a segregação das mulheres que se conseguem homens. É preciso mantermo-nos dentro das realidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando os problemas entram em círculo vicioso, difícil é sair-se dele. Antes da explosão demográfica escolar a que vimos a assistir há cerca de duas décadas, ser professor era ter uma posição social marcada, era pertencer a uma classe prestigiada, na qual era honroso entrar-se. Por restrições que se mantiveram ou impuseram, como se estivéssemos em período normal de frequência, a entrada de professores para os quadros não acompanhou o aumento do número de turmas. Houve, pois, que recorrer a eventuais sem preparação pedagógica e muitos sequer sem as habilitações legais completas. Depressa, em maioria, os eventuais passaram a dar o tom ao ensino, e, porque nem sempre esse tom é o mais conveniente, as críticas que provoca repercutem-se sobretudo no prestígio daqueles que constituem o quadro permanente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A classe dos professores não é hoje uma classe prestigiada, nem prestigiante. Até aqueles que, sujeitando-se ao exame de admissão, não são considerados sequer aptos para a frequência do estágio de preparação para professores são admitidos no ensino como eventuais. A esses, ao menos, por decência moral, se deveria vedar o acesso ao ensino. Sei bem poder-se argumentar que, assim sendo, seriam castigados os que se dispusessem ao estágio, mas cuja entrada era negada, aliás com base em provas de cultura geral, e que os outros, embora com as mesmas deficiências, mas prudentemente escondendo-as, eram considerados. Sei bem poder-se argumentar assim, neste como em outros casos, e porque sei quão difícil é ser-se mentor em tal matéria é que termino, confessando humildemente as minhas críticas e sugestões, não como boas, mas como minhas. E cada um terá as suas, bem mais válidas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

A próxima sessão será na terça-feira, dia 6, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Pacheco Jorge.

António Calheiros Lopes.