de compensação... e não dos conselhos de Cristo. As perseguições aparecem como fenómeno social, sem nítida motivação religiosa, ecos de Mommsen e porventura de Harnack, a quem se deve a proeza de escrever grossos volumes com escassíssimas fontes, européis de retórica torrencial e fecunda imaginação.

Supor que os cristãos deixaram a cidade para viverem, refugiados, nas catacumbas é posição errónea, embora corrente no século passado, mas desmentida pela topografia, pelo direito coevo e por outras fontes. Reduzir a mensagem de Cristo a uma bondade sentimental e social é ocultar a sua feição tipicamente espiritual e transcendente. Os mártires surgem, aqui, como escravos a lutar contra os senhores, e não a morrer pela sua fé.

Noutro compêndio, apesar de não constar de nenhuma fonte, afirma-se que o homem iniciou a sua aventura no planeta no... estado selvagem, teve de aprender a pensar, tornou-se erecta a postura, a capacidade craniana aumentou-lhe, o maxilar perdeu a sua robustez e as mãos executaram rudes invenções....

Ora a ciência nada averiguou de certo e definitivo neste domínio. E a posição cristã, admitindo como hipótese científica, cada vez com maior número de sufrágios, a evolução do somático, exclui a criação da alma, do espiritual, pelo processo evolutivo, isto por motivos filosóficos e teológicos. O que ninguém alvitra hoje, salva literatura barata e seus consumidores semianalfabetos, é que «o homem descende do macaco». Também me não parece que as classes sociais tenham nascido do urbanismo, mas da própria vida, com a sua diversidade de funções sociais e de missões humanas. É estranho que se diga que a arquitectura do Egipto era pesada e grave como a monarquia (nem pela redundância se salva); que o cristianismo se aliou ao Império Romano; que o monaquismo surgiu no século VI (três séculos depois de nascido...); que Santo Agostinho viveu no século X (cinco séculos depois de ter morrido...); que o humanismo fosse, sem mais, um movimento antropocêntrico, oposto ao teocentrismo; que Erasmo advogava uma reforma racionalista da Igreja; que a igreja espanhola adquirisse foros de igreja nacional; que, no conflito com Bonifácio VIII, a nação francesa apoiou o seu rei; que fazer de um país uma grande nação é absolutismo monárquico; que se admita a profundidade mordaz do superficial, embora enciclopédico, Voltaire; que se apresente a maçonaria apenas como sociedade defensora de um Estado laico; que, no século XVII o homem aprendeu o uso corajoso da razão, a repudiar as trevas da ignorância, do conformismo, contra o tradicionalismo cego e preconceitos... a contar, de olhar livre e cheio de clareza, com a omnipotência da razão; que a abolição da escravatura se deva mais à doutrinação dos filósofos que à doutrinação milenária da Igreja; que se relevem tanto os aspectos positivos da Revolução Francesa, sem informar dos crimes daquela imensa besta apocalíptica; que os irmãos Montgolfier hajam feito a primeira conquista do ar (74 anos depois do Pe. Bartolomeu Lourenço de Gusmão...). Sem falar em D. Henrique a organizar justas em Coimbra em festas de Viseu... nem em certos anacronismos de linguagem, como partidos e oposição, nitidamente deslocados do contexto histórico-sócio-cultural...

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não faço uma exposição académica, nem mesmo censuro, apenas documento deficiências. Admitindo boa fé e falta de informação, influências estranhas, pede-se apenas mais atenção. E seria prudente que, nas matérias teológicas e afins se ouvissem os pareceres das pessoas da especialidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já aludi ao poder pedagógico da história. Revela o homem e a vida, no concreto e complexidade das situações humanas no tempo e no espaço. Liberta-

nos das limitações da nossa experiência individual e local. Com a condição de ela mesma se libertar da ditadura positivista do século XIX ... de não ser capitalista, nem liberal, nem burguesa, nem comunista... mas simplesmente história. Servirá então para nos revelar o que seria impossível descobrir por nós... para enriquecimento humano, cultural e estético... Continuará a ser fermento de actividade criadora, em literatura, como o foi pelo menos desde Homero a Camões, Herculano e Fernando Pessoa, com a Iliada, Os Lusíadas, O Monge de Cister e a Mensagem. Não advogo historicismo, que não consiste, como é frequente supor-se entre nós, no predomínio dos estudos históricos, mas em liquidar todas as ciências na história encurralada num cepticismo relativista. Limito-me a pedir para a História de Portugal o lugar que lhe pertence. Penso que está bem, na escola primária. No liceu, não. No ciclo inaugural - o de maior receptividade - os alunos mal a cheiram. No 3.º ano, nem pelo olfacto entram em contacto com ela, como. já aqui sublinhei. No 4.º ano, retomam-na, mas dispersa pela... (mais que integrada na...) Universal... e utilizando compêndios nem sempre, satisfatórios.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Finalizo esta matéria com a observação de J. Rimaud, na recente Orientação da Idade Evolutiva:

Não é sem motivo que todos os homens políticos partidários ou revolucionários - a camuflam ou desconhecem sistemàticamente. A história, lealmente estudada, é mestra de sentimento nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A extensão excessiva dos actuais e decrépitos programas constitui um feio e nocivo aleijão didacto-pedagógico. Temos um curso geral dos liceus com pretensões enciclopédicas, complexo, pesado, trabalhoso, memorialista, armazenista.

Vozes: - Muito bem!

Como é formado? Que espécies de dentes tem? Quais os mais desenvolvidos? Quais os que faltam? Qual é a disposição e a forma dos dentes? Que diferença há entre a face anterior e a face posterior de um dente incisivo? Que conclusões poderá tirar deste tipo de dentição? Como são os côndilos das articulações da maxila inferior com o crânio? Segundo a forma dos côndilos mandibulares, como explica o movimento de vaivém da maxila inferior, quando o coelho come?

De que servem semelhantes pormenores a quem não segue Medicina nem Ciências?

Vozes: - Muito bem!