Para muitos foi, sem dúvida, a prova mais dura da vida: "Preferiria morrer de fome em Portugal a vir como vim. Se recomeçasse, creio que morreria. Jamais permitirei a meu filho vir como vim ..."

Mas o drama continua um França:

90 por cento dos imigrantes portugueses interrogados não tinham qualquer preparação para enfrentar o novo meio; 73 por cento ignoravam que trabalho teriam, e 70 por cento não sabiam onde habitar.

Muitos sentiram-se desiludidos, pois o engajador tinha-lhes dito que tudo era fácil, em Tranca e que logo alguém viria à fronteira propor-lhes trabalho: "Não conhecia a língua, não sabia como proteger-me, como comer, que fazer para encontrar trabalho ..."

Outro depoimento: "Cheguei à noite e não sabia onde dirigir-me para encontrar alojamento. Não sabia falar francês, não tinha passaporte c ninguém me quis receber. Passei a noite a passear. No dia seguinte encontrei, por acaso, outros portugueses, que me levaram para a sua barraca ..."

"... Dormimos um mês no biloneille, em cima de tábuas, sem qualquer cobertura e ainda pôr isto foi preciso pagar bem caro . . ."

Muitos dos que se instalam com carácter mais ou menos definitivo numa barraca revelam expressivamente a sua desilusão: "Quando cheguei, fiquei admirado, pois desconhecia que os portugueses vivessem como vivem. Nunca habitei alojamento tão miserável f; VPJO agora que as coisas não .são tão boas em França como se pensa em Portugal . . ."

Segue-se a dificuldade dos papéis. Um certo número pagou até 1 000 francos para ter documentação, pois "quando não se sabe, tudo se paga para estar em ordem ..."

Entra os interrogados, mais de um terço pagou para obter documentos ou trabalho. De um modo geral, consideram isso normal. Pagaram bem cara a viagem. Deste modo, pagar ainda para conseguir ocupação, não ó nada de extraordinário.

"... Pediram-me 880 francos; para mo conseguirem os documentos e nunca mais vi o homem que me ficou corn o dinheiro."

Assim, 98 por cento dos interrogados desejariam que um organismo francês os acolhesse quando chegam, para os ajudar a encontrar trabalho o alojamento.

O descontentamento geral dos que habitam Saint-Denis e Nanterre explica-se em boa medida pela falta de conforto e higiene.

Em Nanterre e Saint-Denis os ratos são numerosos e bem alimentados, dado que o lixo se acumula, no seio dos hidonrilles. Em Saint-Denis o camião fio lixo passa fora e em Nanterre os serviços de. higiene e limpeza nada fazem . . . Existe apenas uma fonte, para toda a gente . . . Em Aubervilliers e Fonte-nay-sous-Bois existe. apenas um W. G. pura todo o bidonville ... 28 por cento e 12,5 por cento dos portugueses interrogados em Saint-Denis e Nantorre não dispunham de qualquer aquecimento na barraca . . . Em Saint-Denis 270 pessoas viviam em 115 compartimentos e em Nanturre 233 pessoas em 109). Há uma média de duas pessoas por cama.

"... Há um locatário que tem uma pequena barraca do tamanho desta cozinha e onde dormem seis homens . . . Outro aluga a sua barraca por 400 francos e mete lá dentro oito homens." Conclusão de um antigo habitante do bidonville: "O melhor comércio é o das barracas e dos engajadores. Conheço um que tem aqui um secretário e iodos os meses vem buscar o dinheiro das rendas."

Para todos, o bidonville du Champiny é o símbolo do horror. "É uma coisa porca ... húmida ... indigna ... ridícula ... de vomitar. Não são alojamentos para seres humanos. É a miséria, e os que os ocupam vivem pior que os ciganos ...".

Paru os clandestinos o problema consisto ainda em que, antes do terem documentos, recebem um salário inferior o são explorados ...

... É muitas vozes depois de um acidente no trabalho que se apercebem que não têm ficha, nem seguro social ... "Após o acidente., o patrão não mo quis dar um trabalho mais leve ... É sempre assim para os estrangeiros ... Ganho metade do meu salário ... Não me seguro com firmeza- e o meu trabalho é bem penoso. Não recebo qualquer pensão ... Não sei falar francês, não sei como regularizar toda esta situação."

Nalguns locais os portugueses queixam-se de não receberem allocations familiales, por os patrões os não terem declarado como trabalhadores e de que os patrões fazem distinções de pagamento que ninguém compreende: "... Trabalhei onze horas, pagaram -me sete ... Um camarada meu que fez o mesmo tempo de trabalho, pago segundo a mesma tarifa, recebeu 1 030 francos e eu 570 francos."

Fazendo um trabalho pesado, e sem consideração. muitas se queixam de ganhar queixam enquanto a vida é cara. Revelam, por outro lado, dificuldades de adaptação. Só 13 por cento dos interrogados que se dedicavam à construção civil tinham tido antes experiência como pedreiros. Mais de 50 por cento vieram directamente da agricultura.

Finalizo com uni depoimento que, em sua amargura, é uma crítica para as autoridades portuguesas e francesas:

O Governo Português procede mal não nos concedendo passaporte ... A Franca não nos dá alojamento e faz-nos levar uma vida miserável, uma vida de escravo . . . Todo o trabalho duro e posado é para os estrangeiros ... Tenho aqui uma vida pior do que em Portugal ... Se o soubesse, nunca teria vindo ... Nunca tinha lavado a minha poupa e agora tenho de o fazer ... É necessário fazer tudo ... A alimentação, tudo ... Os sacrifícios multiplicam. Para os casados há outras responsabilidades, que tornam o isolamento mais duro. Há a compensação do pagamento, mas impõe-se enviar as economias para a família e continuam a viver sem qualquer conforto. Se um estrangeiro vivesse como os franceses, que comeria a família? Pedras! O estrangeiro casado é um escravo em França.

Sr. Presidente: A extraordinária gravidade do problema migratório levou o Conselho de Ministros a constituir, já em 1964, uma comissão especial destinada ao estudo das questões suscitadas pela saída dos trabalhadores.

A presentaram-se como motivos de particular preocupação: o regime geral de condicionamento da emigração; a emigração clandestina; as suas consequências, nomeadamente quanto às 'disponibilidades de cidadãos para a vida militar; os reflexos políticos resultantes das condições de vida dos nossos trabalhadores em França; a regularização da situação dos emigrantes clandestinos; a organização, por parte das nossas autoridades, de servidos que, em França, devam proteger e apoiar os portugueses.