Apenas para dizer que a Junta deveria fornecer aos tribunais uma lista de árbitros? Parece que se trataria também de matéria regulamentar. Como tal foi, de resto, considerada pelo Governo, ao publicar o Decreto n.º 45 905, de 7 de Outubro de 1964.

Julga, pois, a Câmara Corporativa que a referida proposta do Governo não vinha acrescentar nada de substancial à sugestão feita por ela, em 1961. Juntamente com a segunda proposta do Governo, foi apresentada à votação da Assembleia Nacional uma outra proposta, assinada por alguns Srs. Deputados, a qual foi aprovada, sem discussão, na mesma sessão em que foi rejeitada a do Governo. Foi essa proposta que se transformou na base XXI da Lei n.° 2114, com pequenas alterações de forma, indiferentes quanto ao conteúdo do texto.

Esta base encontra-se assim redigida:

As questões entre senhorios e arrendatários serão decididas, com recurso para o Tribunal da Relação competente, por uma comissão arbitral composta pelo juiz de direito da comarca, que presidirá, e representantes da Secretaria de Estado da Agricultura e da organização corporativa da lavoura.

Só em 7 de Setembro de 1964 (Decreto n.° 45 905) foi regulamentada esta base.

As comissões arbitrais passaram a ser constituídas pelo juiz de direito e por quatro árbitros, sendo dois designados pela Secretaria de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna, e os restantes pela Corporação da Lavoura, sob proposta do grémio da lavoura da área da situação do prédio (artigo 2.°).

Os árbitros designados pela Secretaria de Estado da Agricultura são escolhidos de entre funcionários dos seus serviços que abranjam a área da competência territorial da comissão, devendo preferir-se na designação os engenheiros agrónomos e silvicultores (artigo 3.°, n.° 1). Dos dois árbitros designados pela Corporação da Lavoura, um será escolhido entre os senhorios e outro entre os arrendatários que se dediquem ao exercício da lavoura na área da competência territorial da comissão (artigo 4.°, n.º 1).

Com relevo especial dentro do sistema, encontra-se a necessidade da intervenção dos árbitros em todos os actos de instrução e nas decisões que ponham termo ao processo (artigo 7.°, n.° 3), devendo aqueles acompanhar até final e julgar a questão para que foram designados (artigo 5.°, n.° 2). Embora a preparação do processo compita ao juiz de direito, a comissão arbitrai deve apreciar os factos e aplicar o direito, como o faria o tribunal normalmente competente (artigo 7.°, n.° 2).

Apenas sob um aspecto, na opinião desta Câmara, se melhorou o sistema primitivamente proposto pelo Governo: o de se ter escolhido para presidente da comissão o juiz da comarca. A atribuição, porém, a essa comissão de competência para o julgamento da questão de direito não pode deixar de merecer os maiores reparos, e isso, sobretudo, explica que a base XXI não tivesse obtido boa aceitação por parte dos magistrados e advogados.

A leitura do referido decreto evidencia que, não obstante o voto de qualidade conferido ao magistrado pelo n.° 4 do artigo 7.°, ficou reservado ao juiz de direito, nesta espécie de processos, função meramente sancionadora ou secundária. Servindo de relator, o magistrado judicial tem de reconhecer que é à comissão, em que ele tem apenas voto de qualidade, que cumpre apreciar os factos e aplicar o direito como faria o tribunal normalmente competente (o próprio juiz de direito), sendo-lhe vedado, portanto, julgar segundo a equidade, mesmo com autorização das partes [...] O problema mais melindroso surge, porém, do desconhecimento que normalmente se verifica entre os árbitros, dada a sua falta da formação jurídica, das competências que o direito positivo estatui para certas situações de facto estabelecidas pela prova e que estão ao alcance dos membros da comissão, tal como acontecia nos antigos júris. Os árbitros não podem decidir segundo as regras da equidade tendo de apreciar os factos e aplicar o direito como o faria o tribunal normalmente competente (n.° 2 do artigo 7.°). O juiz, por seu turno, só possui voto de qualidade, que necessariamente só poderá expressar quando se tenham formado duas correntes opostas de opinião. Consequentemente, se divergências não surgirem, o juiz poderá ter de relatar uma monstruosidade jurídica.

O Dr. José Gualberto de Sá Carneiro, para quem "mais avisado seria esse rumo (o da Câmara Corporativa) do que aquele que veio a ser adoptado na Assembleia Nacional" 5, escreve:

Por um lado, os pleitos que possam surgir a propósito de arrendamentos rurais não são de tal especialização que não possam ser resolvidos pêlos tribunais comuns, com a ajuda dos técnicos que intervenham em exames ou vistorias ou cujo parecer as partes ou o juiz solicitassem, nos termos do Código de Processo Civil. Na maioria dos casos, os problemas a resolver serão da maior simplicidade [...] Outros inconvenientes da instituição das comissões se nos antolham como evidentes. Complica-se a marcha do processo, sendo forçoso adiar os actos de produção de prova ou de julgamento quando faltar algum árbitro [. . .] . o processo é encarecido, pela necessidade de remunerar os árbitros. Em alguns concelhos haverá dificuldade em organizar a lista dos mesmos, no que toca aos arrendatários, pois, no Norte, eles suo, de um modo geral, incultos e alguns até analfabetos. Não se vê bem como pessoas nessas condições possam formar uma comissão arbitrai presidida por juiz togado.

Na própria Secretaria de Estado da Agricultura, que teve a iniciativa da proposta de criação das comissões arbitrais, se notou, logo após a publicação do Decreto n.° 45 905, algum descontentamento. Na verdade, em ofício dirigido pelo director-geral dos Serviços Agrícolas á Direcção-Geral da Justiça, aquela entidade aponta o inconveniente do chamamento constante de técnicos aos tribunais:

Há por aqui - escreve -, segundo parece, uma situação de facto a carecer de revisão superior, dado em casos dessa natureza convir aos serviços verificar a possibilidade da dispensa de comparência dos seus técnicos em tribunal [. . .] A circunstância de as deslocações, em dias e horas determinados, causarem perturbações no rendimento do trabalho dos serviços conduz a expor a V. Ex.ª Esta situação, a fim de

4 "Questões entre senhorios e arrendatários de prédios rústicos", ano 32.°, p. 49.

5 Revista dos Tribunais, ano 83.°, p. 296.