capacitarmo-nos todos de uma realidade irrecusável, qual é a de que não é possível impor por decreto o povoamento do ultramar ou o rumo das correntes migratórias.

As provas disso estão em que para um saldo demográfico de 106 000 indivíduos em 1966 emigraram daqui legalmente para o estrangeiro, no mesmo ano 120 000 e mais 46 000 clandestinamente, enquanto para o ultramar seguiram naquele mesmo ano, apenas 10 787.

Na sua extraordinária conferência de ha um ano e meio no Palácio Foz, integrada no ciclo de notabilíssimas conferências sob o signo de «Celebrar o passado, construir o futuro» com que a situação muito se honrou, o Sr. Brigadeiro Kaulza de Arriaga, focando a necessidade de colocar em Angola 1 milhão de metropolitanos e outro tanto em Moçambique - necessidade que se impõe até por imperativo de sobrevivência da Nação que hoje constituímos - concluiu que, pelo ritmo actual, só dentro de um século atingiremos tal objectivo. Ora, pelo que se observa em relação aos anos de 1962-1966, nem mesmo em cem anos se alcançaria o desiderato, a solução de um problema que os mais altos interesses nacionais exigem, à escala do nosso tempo, se atinja no espaço de uma geração.

Repito: é uma realidade iniludível que nem o povoamento do ultramar, nem os fluxos migratórios se impõem por decreto. Podendo, embora, ser favorecidos por inserções ajudas, propaganda, etc., e canalizados ou, mesmo, de certo modo dirigidos, eles terão de surgir espontaneamente, como resultado do encontro de interesses recíprocos - os dos emigrantes potenciais e os dos territórios que deles carecem. Estes aliciarão aqueles com a facilidade de encontrarem trabalho, melhor paga, possibilidades de aforro e logicamente, a livre transferência deste.

Eis o que abunda no estrangeiro e tem abundado especialmente em França, para onde em 1966, emigraram mais de 73 000 portugueses, elevando a respectiva colónia naquele país a mais de 270 000 compatriotas nossos. Dessa tremenda nacional. Uma política económica que não facilite, por exemplo, a aquisição ao estrangeiro - até de países mais ou menos inimigos ou antiportugueses - de milhões de contos de produtos tropicais (açúcar, milho, algodão, tabaco, amendoim) que poderiam e deveriam ser fornecidos aos preços internacionais pelo nosso ultramar, evitando uma autêntica hemorragia de divisas e logo eliminando no espaço português o problema cambial.

E mais, o que já tive a honra de expor a esta Câmara em anteriores intervenções: a regulamentação do crédito a médio e longo prazos pelo Ministério das Finanças e a supressão do problema das transferências cambiais, que, não sendo de modo algum inelutável, não tem razão de existir, como observarei mais uma vez em próxima intervenção, se VV. Ex.ªs., Sr. Presidente e Srs. Deputados, tiveram a paciência de me escutar.

Sr. Presidente: Termino com um voto. O de que as entidades competentes se mostram receptivas a este apelo, o apelo de que encare com u rgência o povoamento do ultramar nas suas múltiplas implicações, a que a Junta de Povoamento não pode, evidentemente, responder, mesmo que a sua acção se mostre inteiramente válida e perfeita. Essas múltiplas implicações foram esboçadas nas palavras que antes proferi, e quero afirmar, por último, que o fiz unicamente inspirado pelo bem da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) o da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.

Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Duarte.

O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há na vida dos povos momentos que mercê de determinada sequência de factos ou confluência de fenómenos sociais económicos e políticos se tornam significativamente graves: tal é por certo o momento que o mundo e a nossa pátria, em particular, estão vivendo. O clima próprio desses momentos da história não pode ser o de uma mera rotina das coisas. Nem mesmo para aqueles actos que a opinião pública e o paroxismo funcionarista asso, quiseram ritmar e definir.

Por outra parte, o critério e o espírito que nesses momentos devem estar na análise de situações que se tenham criado e no equacionamento e resolução de problemas suscitados não podem ser os mesmos que em determinados períodos da história dos povos, se diluem num cómodo rotativismo e equilíbrio de influências e interesses particulares ou numa flacidez serpejante que nunca arrisca simpatias, prestígio e oportunidades. O critério que se procura e o espírito que se informa estão, na verdade, no serviço e no sacrifício em favor de uma causa comum. E nisto, quantas vezes se é surpreendido por aquela voz anónima, impessoal, que formula e repete comentários e críticas, desabafa assombros escandalizados