Temos perante nós em exame as contas públicas de há dois anos, iluminadas por mais um daqueles pareceres do nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia, sempre aliando a incansável minúcia da análise à permanente sabedoria dos seus prudentes juízos.
Ali nos é chamada vivamente a atenção para o contingente equilíbrio da balança de pagamentos, na insuficiência das exportações e no exagero das importações, apenas garantido por duas fontes ora tão caudalosas como inseguras: as remessas dos emigrantes, as entradas de turistas.
Ali se aponta, com a fria mas irrebatível eloquência doa números, o peso enorme nas aquisições ao exterior de mercadorias que poderíamos criar cá; ali se denuncia «a comodidade, isto é, a facilidade de importar o que não há» como altamente gravosa, por induzir à inércia e poder trazer surpresas e sacrifícios; ali se observa com razão que o agravamento nas importações de produtos de origem vegetal é resultado da crise agrícola; ali se acusa como não fazendo sentido o aumento da importação de oleaginosas.
Detenho-me neste ponto. Do valor da importação de oleaginosas, cujo montante em 1966 - 791 492 contos - tanto preocupou o nosso respeitado e autorizado colega, que repetidamente se lhe refere, sempre com reprovação ou mágoa, mais de três quartas partes foram pagas por amendoim e gergelim, quase tudo comprado a inimigos; pelo contrário, vem do ultramar português a maioria enorme das oleaginosas para fins industriais, todavia de pouco peso em tamanho acervo.
Saberá, porém, o ilustre relator das contas, saberão os Srs. Deputados que com ele hajam notado e lamentado esta sangria de dinheiro, que ela ainda se agravou consideravelmente no ano imediato e só por causa das oleaginosas e óleos alimentares?
Comparando os dois anos que findaram em Novembro de 1966 e de 1967 (pois não pude, à data de colher notas, obter informações mais recentes), encontro de um para o outro mais de 250 000 contos - mais de um quarto de milhão de contos, notai bem! - de agravamento destas importações, a saber:
De modo sucinto, mas sobre dados firmes, espero ter evidenciado esta tríplice verdade:
1.ª O olival português é importante riqueza fundiária e factor considerável do produto nacional;
2.° O abastecimento metropolitano em gorduras alimentares repousa muito principalmente sobre o binómio azeite + óleo de amendoim;
3.º Dependendo o primeiro termo deste binómio da produção interna e o segundo de importações susceptíveis de tomarem grande vulto, e quanto maiores em maior proporção provenientes de territórios estranhos que não se nos mostram favoráveis, o fomento da produção de azeite contribuirá de modo substancial:
Eis a luz a que deve ser examinada a política do azeite.
Sempre o Governo -honra lhe seja! - esteve atento aos problemas da produção oleícola e do abastecimento de azeite, cuidando de ajudar os lavradores e servir o público consumidor, e nesta sequência creio-o apetrechado para enfrentar qualquer crise, ao menos nos primeiros embates.
Mas há situações novas a requererem atenção nova - nos actos, só não nas doutrinas-, e em função delas deve ser reorientada a política.
Não será que engrenagem importante do mecanismo está a falhar, ou os factores mudaram radicalmente, se contra uma das directrizes mais afirmadas vemos precisamente mais depreciado o azeite de mais fina qualidade? . . .
Para mim, as situações novas resumem-se essencialmente a duas: encarecimento da produção e concorrência, e mistura, do óleo de amendoim, artigo essencialmente estrangeiro hoje em dia.
Comecemos por aqui.
Foi muito tempo costume menosprezar o óleo de amendoim, e talvez nos começos as suas condições de fabrico ou apresentação o justificassem, mas creio que a nossa indústria o prepara hoje de forma perfeitamente satisfatória, segundo a sua natureza.
Dessas primeiras impressões resultou, todavia, longo descrédito, que por muitos anos lhe manteve baixo o consumo, apenas alentado pelo mais favorável preço. Aliás, para sustentar esta relativa barateza foi necessário algum tempo subsidiá-la, facto que lembrarei somente em abono da ideia de que sem iniquidade os subsídios podem, se necessário, inverter-se.
Gradualmente, foi, todavia, o óleo entrando nos usos, por vezes em misturas fraudulentas animadas pelas diferenças dos preços, mas o primeiro grande surto de produção e consumo verificámo-lo em 1956, quando foi pela primeira vez autorizada a sua mistura com azeite para venda ao público, a fim de suprir a escassez resultante de uma universalmente baixa colheita, que nos afligiu a nós e aos demais países oleícolas.
Foi grande a celeuma provocada por esta legalização do que antes era condenado, e aqui na Assembleia essa ressoou em vivo debate, que sancionou, porém, a medida.
De que ela se pode justificar tivemos a contraprova em 1963, em que a mistura foi somente insinuada aos retalhistas, com o resultado de longas bichas à porta das mercearias, esperando serem servidas do azeite escasso, mas preferido sempre ao óleo.
Por isto, talvez, foram menos vivas as reacções quando em fins de 1965 voltou a ser instituída a mistura como prática legal, criando-se a entidade nova do «lotado corrente» de azeite e outros óleos directamente comestíveis.
Como nestes prepondera o óleo de amendoim, veio-lhe daqui grande favor, rapidamente acelerado por artifícios que substituíram o lucro da fraude pelo lucro do lote em proporções não sonhadas pelo legislador.