A dois longos anos de expectativa, foram submetidos os industriais portugueses de pecas e acessórios, bem angustiosos para os industriais conscientes, que, com vista ao conveniente desenvolvimento das suas instalações em face do novo mercado que se lhes antolhava, já tinham em execução vastos programas de desenvolvimento, cuidada planificação e investimentos efectuados da ordem de centenas de milhares de contos.

E surpreendentemente e contra a previsão legal estatuída no Decreto-Lei n.° 44 104, que fixava como limite mínimo obrigatório, "irredutível para todos os casos" de incorporação de trabalho nacional, a percentagem de 15 por cento, vem o artigo 22.° do regulamento dar como componentes do trabalho nacional incorporado: A mão-de-obra directamente aplicada; As despesas gerais inerentes á operação.

Se para mal da economia nacional já era irrisória, embora aceitável de início, a incorporação de 15 por cento estabelecida no Decreto-Lei n.° 44 104 (em Espanha a mínima obrigatória é de 80 por cento), e mais que generosa a oferta de "descontos" concedida pelo Ministério das Finanças, para estimular a incorporação, ela periga em ser praticamente nula ao estabelecer-se sem dose ou medida de composição, como um dos seus factores determinantes "as despesas gerais inerentes à operação".

É que salta à vista que nas despesas gerais inerentes à operação cabe tudo, designadamente o que não é nacional, mas que o artigo 22.º do decreto regulamentar nacionaliza e apelida aflitiva e arbitrariamente como trabalho nacional incorporado . . .

Em duas palavras apenas - a lei básica estabelece um mínimo obrigatoriamente irredutível de incorporação de trabalho nacional.

O legislador do decreto regulamentar ao definir trabalho nacional incorporado encontra uma fórmula capaz de reduzir substancialmente o que deveria ser efectiva e irredutivelmente sempre mais de 15 por cento de trabalho nacional.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - É desta forma simples que se desvirtuam os bons intentos patenteados no decreto base e que tinham em vista, como já se disse, diminuir o desequilíbrio de uma das mais fortes parcelas da balança comercial portuguesa.

Enquanto a indústria nacional de peças e acessórios se apetrechava, em termos de algumas importantes unidades estarem ainda longe de atingir neste momento os planos de produção com qualidades e preços de nível europeu, e criando, só como fruto desse desenvolvimento, empregos em número superior aos da totalidade das linhas de montagem, estas - salvo uma ou outra honrosa excepção - só àquela recorrem quando não pode deixar de ser.

Comportamento, portanto, absolutamente contrário ao interesse da economia nacional, que reclama clamorosamente adequada disciplina que lhes imponha a incorporação de determinados componentes ou peças que o mercado português produza.

Objectar-se-á, no entanto, que algumas das mais importantes linhas de montagem tem maioritária representação de capitais estrangeiros ou são obrigadas pelas circunstâncias a subordinar-se à sua férrea orientação. E com esta objecção chegam ao ponto de creditarem elementos constitutivos de um automóvel a preço inferior ao seu custo, praticando autêntico dumping e dispensando por forma sensível a incorporação efectiva dos produtos nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, tendo a seu favor a disposição regulamentar que admite considerar como incorporação de trabalho nacional "as despesas gerais inerentes à operação", encontram nela uma capa misericordiosa para cobrir vultosos dispêndios, que só por serem contabilizados nos mesmos livros alguma coisa tem de comum com a operação de montagem . . .

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Convirá ainda lembrar, nau parecendo necessário acrescentar mais seja o que for, que, não havendo qualquer limite estabelecido quanto à forma de conjugação dos factores determinantes do trabalho nacional incorporado, qualquer gracioso aumento de remuneração de mão-de-obra pode, no fim de contas, ser predominantemente pago pelo Estado, ao reduzir os direitos dos veículos na medida em que por aquele motivo, aumenta "a incorporação de trabalho nacional".

A falta de elementos exactos acerca da incorporação em cada marca - exclusão feita muito honrosamente ao Ministério do Exército -, arriscamos afirmar que em 1967 a incorporação média nos veículos ligeiros se deve ter situado acima dos 38 por cento, devendo, quanto a veículos pesados, ter ultrapassado os 40 por cento.

Lamentavelmente, modestos os números encontrados!

Mas a culpada não é a indústria nacional. Sem embargo de se reconhecer que as respectivas infra-estruturas estão ainda muito aquém do desejado e do possível, produtos há que, concorrendo sem receio com os estrangeiros, ainda não são aplicados nos veículos cá montados, ou são-no em quantidades inferiores à actual capacidade de produção.

A manutenção do condicionalismo legal vigente, já devidamente realçado, colocando nas mãos das linhas de montagem a combinação arbitrária dos elementos constitutivos do trabalho nacional incorporado, é a verdadeira causa do estado de insegurança, de desânimo e de falta de crença no Governo por parte dos industriais portugueses.

Deverá ainda acrescentar-se que a par desta intranquilidade de produção da indústria nacional as linhas de montagem ainda beneficiaram no último ano de descontos nos direitos aduaneiros, que devem ter ultrapassado os 300 000 contos. Isto no momento crucial que atravessamos, em que a defesa da integridade nacional impõe pesados sacrifícios a toda a grei, que não a elas, linhas de montagem, em relação a algumas das quais as respectivas fábricas de origem, como é sabido, ajudam até a alimentar a guerra que temos de suportar!

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Do exposto resulta a imperiosa necessidade de se insistir com o Governo para que, através do providências legislativas urgentes e adequadas, imponha a maior incorporação possível de trabalho nacional, eliminando as disposições legais em vigor que alimentam e permitem desvios substanciais à realização desse objectivo.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!