a legislação nacional-socialista que a admitira, em 1935, ao arrepio do que dispunha o Código de Processo Penal alemão de 1877 (Strafprozessordnung). Produto de uma concepção do processo penal enfeudada à mundividência nacional-socialista, a reformatio in pejus voltou a ser proibida pela Lei de 12 de Setembro de 1950. Esta lei conferiu aos §§ 331, 358 e 372 da Strafprozessordnung a sua actual redacção, segundo a qual é expressamente proibido - tanto no recurso de apelação, como no recurso de revista, como na revisão - modificar a sentença recorrida em prejuízo do arguido, quanto à espécie e à medida da pena, desde que o recurso haja sido interposto somente pela defesa ou pelo Ministério Público a favor do arguido 3.

Em França, a refonnatio in pejus no processo penal foi considerada ilegal já num parecer do Conselho do Estado de 12 de Novembro de 1806. Desde então, sempre a jurisprudência penal francesa entendeu não ser de admitir a reformatio in pejus, quer em recurso de apelação, quer em recurso de revista, apesar de o referido parecer de 1806 ter apenas por objecto a apelação. Pois, apesar disto, o legislador francês entendeu dever tomar posição expressa contra a reformatio in pejus, em 1957, no artigo 515 do Code de Procédure Pénale, que se encontra em vigor desde 19594. Tudo isto justifica que o legislador português tome posição perante o seguinte problema: é de admitir que uma decisão sobre matéria criminal seja modificada pelo tribunal superior em prejuízo do arguido, quando o recurso tenha sido interposto apenas pela defesa, ou pelo Ministério Público a favor do arguido?

Cingindo-nos aos argumentos que se situam no plano do direito constituendo - o único em que se move o legislador -, a resposta à questão formulada terá de ser, forçosamente, negativa.

Na verdade, a admissibilidade da reformatio in pejus diminui consideravelmente as possibilidades reais da defesa no processo penal - perante as quais se curva, repetidas vezes, a plena realização do direito de punir do Estado -, comprometendo, em última análise, o fim de realização da justiça material, para que todo o procedimento criminal deve tender. O arguido que se conforma com uma sentença apenas por temer ver agravada a injustiça nela contida é um arguido que teve, formalmente, a faculdade de recorrer para os tribunais superiores, mas que não dispôs, substancialmente, do recurso como meio de evitar uma condenação injusta.

A isto já se tem objectado que o temor de que o tribunal superior profira condenação mais severa é um temor descabido naqueles arguidos que se sintam injustamente condenados na 1.ª instância. Só os réus que intimamente se sentissem "beneficiados" pela decisão da l.ª instância é que teriam motivo para temer a reformatio in pejus. Proibir a reformatio in pejus no processo penal seria, portanto, favorecer injustificadamente os criminosos.

Argumentar assim é esquecer a falibilidade da justiça humana. As decisões judiciais não são já acatadas por se acreditar que constituem sempre expressões perfeitas da justiça, como se julgava em estádios culturais mais remotos. Hoje em dia, as decisões dos tribunais obtêm o respeito dos cidadãos na medida em que estes vêem nelas tentativas absolutamente íntegras -mas, em todo o caso, falíveis - de realização da justiça. Não é, portanto, de estranhar que um arguido, mesmo "de boa consciência", tema ficar prejudicado com o recurso para tribunal superior, e tanto mais quanto é certo, no que à jurisprudência portuguesa se refere, que a modificação de sentenças recorridas em prejuízo do arguido, sobretudo na medida da pena, está longe de constituir algo de excepcional.

Acresce que a proibição da reformatio in pejus, a ser consagrada no actual sistema processual português, irá reintroduzir nesse sistema aquela harmonia que lhe retirou a admissão, em 1950, do odioso instituto, compaginando-se perfeitamente, por exemplo, com a faculdade, que a lei consagra no artigo 647.°, n.° 1.°, do Código de Processo Penal, de o Ministério Público interpor recurso de quaisquer decisões, mesmo no exclusivo interesse da defesa. Ora, esta disposição legal não se concilia com a reformatio in pejus, pois é chocante admitir que, proferida uma decisão condenatória, o Ministério Público - apesar da abstenção de recorrer, por parte do réu - interponha recurso no exclusivo interesse da defesa e venha depois o arguido a ser prejudicado pelo recurso do Ministério Público a seu favor. Só a proibição da reformatio in pejus confere inteiro sentido à legitimidade do Ministério Público para recorrer no exclusivo interesse da defesa.

Fundamentação na especialidade A redacção que agora se propõe para o artigo 667.° do Código de Processo Penal tem por fontes principais as disposições que proíbem a reformatio in pejus nos direitos italiano 8, alemão 9 e francês 10.

Passamos a analisar, em face do texto proposto, os problemas fundamentais suscitados pela proibição da reformatio in pejus, que agora se pretende introduzir no direito português. Tais problemas são os seguintes:

A favor de quem é estabelecida a proibição?

Qual a matéria abrangida pela proibição?

Quando é que, excepcionalmente, se admite a reformatio in pejus? A proibição dai reformatio in pejus, prevista no texto legal proposto, existirá "quando de uma sentença ou acórdão seja interposto recurso somente pela defesa ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa". Quanto u proibição da reformatio in pejus na hipótese referida em último lugar, notaremos apenas que ela também é expressamente determinada no § 331 do Código de Processo Penal alemão 9 e está em perfeita correspondência com o disposto no artigo 647.°, n.° 1.°, in fine, do nosso Código de Processo Penal.

O texto legal proposto, além de limitar a proibição da reformatio in pejus aos casos em que recorre apenas a defesa ou o Ministério Público no exclusivo interesse dela, concretiza a proibição estabelecendo que "o tribunal não poderá modificar a decisão recorrida em prejuízo do ar-