guido ou arguidos". Não veda, portanto, ao tribunal superior uma modificação da sentença recorrida em sentido contrário ao pretendido pela acusação, ainda que seja esta só a recorrer.

Esta "unilateralidade" da proibição da reformatio in pejus corresponde à feição tradicional do instituto e justifica-se pelo fundamento em que ela se apoia. Na verdade, enquanto o temor de ver agravada a pena pode perfeitamente levar o arguida a não recorrer da sentença injusta que o condenou em pena leve, já a possibilidade da absolvição ou atenuação da responsabilidade pelo tribunal superior não será suficiente para levar o Ministério Público ou o assistente a não recorrer de uma decisão que reputem demasiado benévola.

Além disso, mal se compreenderia que o Estado proibisse aos tribunais superiores, na apreciação do recurso interposto só pela acusação, absolver um inocente injustamente condenado na 1.ª instância ou reduzir uma pena demasiado grave ao limite que reputem justo. O Estado, para assegurar reais possibilidades à defesa, deve tolerar que a gravidade da pena possa ser inferior àquela que o tribunal de recurso consideraria merecida pelo criminoso, e isso mesmo poderá acontecer, uma ou outra vez, por força do regime agora proposto. Mas o Estado não poderia - a não ser negando-se como Estado de direito - estabelecer um regime que impusesse aos tribunais superiores o dever de condenar quem lhe pareça inocente ou de punir para além daquilo que reputem legal, sempre que o recurso for interposto exclusivamente pela acusação.

Por isto é que nos direitos italiano8, alemão9 e francês10 a proibição da reformatio in pejus apresenta também o carácter unilateral que lhe é assinalado no texto proposto, funcionando exclusivamente em benefício da defesa.

Para concluir as observações respeitantes à questão de saber a favor de quem funciona a proibição da reformatio in pejus resta apenas acentuar o seguinte:

O texto legal proposto proíbe a modificação da sentença recorrida "em prejuízo do arguido ou arguidos". Havendo, portanto, vários arguidos e recorrendo só um deles - sem que haja recurso, quer do Ministério Público, quer dos assistentes -, todos os co-réus beneficiarão da proibição da reformatio in pejus. O tribunal conhecerá do recurso quanto a todos eles (artigo 663.º do Código de Processo Penal), mas a decisão do recurso não poderá deixar nenhum em pior situação do que a fixada pela decisão recorrida.

Na verdade, não se compreenderia que a proibição da reformatio in pejus funcionasse só em benefício do arguido recorrente; o tribunal superior poderia então agravar a pena quanto aos arguidos não recorrentes e estaria inibido de o fazer quanto ao réu que recorreu. Por outro lado, a proibição da reformatio in pejus quanto a todos os arguidos em nada colide com o efeito extensivo do recurso estabelecido no artigo 663.° O texto legal proposto veda ao tribunal de recurso, quando se verifique o condicionalismo exigido para a proibição da reformatio in pejus, literalmente o seguinte: "modificar a decisão recorrida em prejuízo do arguido ou arguidos, quer aplicando pena mais grave, pela espécie ou pela medida, quer revogando o benefício da suspensão da execução da pena ou o da substituição de uma pena por outra menos grave".

itido essa aplicação?

Uma enumeração taxativa encerra sobretudo o perigo, comummente reconhecido, de poder ser incompleta. Importa, por isso, fazer algumas observações, não só acerca do conteúdo da enumeração feita no texto legal proposto, mas também acerca de certas matérias que foram propositadamente excluídas da tal enumeração.

Proíbem-se, ao que se supõe, todas aquelas alterações da sentença recorrida que poderão ser razoavelmente "temidas" pelo arguido recorrente: a aplicação de pena de espécie mais grave que a da decisão recorrida, segundo a escala penal; a aplicação de pena da mesma espécie, mas em medida superior à da decisão recorrida; a revogação do benefício da condenação condicional (artigos 88.° e 89.° do Código Penal); e, finalmente, a revogação do benefício, que consiste em substituir uma pena, no momento da sua aplicação, por outra pena menos grave (cf. os artigos 86.° e 94.° do Código Penal).

Não se abrangem no âmbito da proibição da reformatio in pejus os chamados "efeitos penais das penas" (cf. os artigos 76.º e seguintes do Código Penal), uma vez que estes acrescem necessariamente à pena respectiva aplicada na l.ª instância, sem necessidade de serem referidos na sentença condenatória. Não faria sentido proibir o tribunal superior de referir esses efeitos ao decidir o recurso.

Também não se incluem na proibição da reformatio in pejus os efeitos não penais das penas (artigo 75.° do Código Penal), precisamente pela sua natureza não penal e ainda porque esses efeitos, na sua grande maioria, também se verificam automaticamente, quer sejam, quer não sejam mencionados na decisão condenatória. Isto só não vale quanto à obrigação de indemnizar o ofendido, hoje regulada no artigo 34.° do Código de Processo Penal. Mas quanto a esta obrigação, cuja natureza (penal ou civil) é discutida na literatura jurídica portuguesa, não se afigura necessário nem conveniente que o legislador a tenha em vista ao estabelecer a proibição da reformatio in pejus.

Igualmente ficam excluídas da proibição da reformatio in pejus as chamadas "penas acessórias" (cf. o artigo 175.° do Código Penal), que devem ser decretadas quando tenha lugar a condenação por certos crimes. Ë certo que as penas acessórias, ao contrário do que acontece com os efeitos penais das penas, têm de ser referidas na sentença condenatória para que o condenado as cumpra 11. Mas se o