tráfico do Oriente. A própria Corte recebia os seus embaixadores, cuja correspondência reveladora virá tantas vezes fazer a contraprova dos factos e verdadeiras intenções que presidiram à acção dos nossos monarcas, gizada no meio do mais absoluto segredo de Estado.

Não admira, portanto, que D. Manuel reservasse para o derradeiro momento da partida as instruções derradeiras, com as quais queria completar a carta de prego da capitania.

O certo é que, anunciada a expedição da grande armada como tendo o objectivo de seguir para a índia, ela aportou sem hesitações nem surpresas dos seus capitães ao Brasil, à "parte ocidental, passando além a grandeza do mar oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas ilhas adjacentes a ela" -, conforme se lê no esclarecedor passo do Esmeralda de 8itu Orbis, que nos revela ter já Duarte Pacheco Pereira no ano de 1498 feito o reconhecimento dessas turras do continente americano.

Aliás, o próprio Duarte Pacheco Pereira seguia na frota, sem comando de nau, como figura de segunda plana, talvez para mais à vontade se dedicar às observações da sua ciência e prestar u expedição o conselho de perito em navegações anteriores.

A 21 de Abril tiveram os nossos os primeiros sinais de terra próxima, que avistaram no dia seguinte nas alturas do Monte Pascoal. A 25 surge a esquadra no Porto Seguro. A l de Maio de 1500 colocou-se solenemente o primeiro padrão em terras de Santa Cruz e, nessa mesma data, escreve o físico da frota, o "bacharel mestre Joham", ao rei D. Manuel, comunicando-lhe a localização da costa a que haviam aportado, feitos os cálculos "con Ia carta y con el estrolabyo". E acrescenta: "Quanto, señor, ai stylo desta tierra, mande Vossa Alteza traer um napa-mundi que tiene Pêro Yaaz Bisagudo, e por ay podrra ver Vossa Alteia el sytyo desta tierra." (Citado em Pimenta, Historia de Portugal, p. 170).

Estava feito o descobrimento oficial do Brasil, cuja costa, assinalada por expedições anteriores, recebia agora os primeiros padrões a autenticar a posse em nome do rei de Portugal de todo um subcontinente maior que a Europa.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na sua reunião de 5 do corrente resolveu o Conselho de Ministros nomear uma comissão nacional para estudar os actos que hão-de constituir as comemorações do 5.° centenário do nascimento de Pedro Alvares Cabral, a celebrar neste ano.

Com tal deliberação demonstrou o Governo estar, mais uma vez. à altura de acontecimento de tão transcendente significado político na vida da comunidade lusíada radicada em ambas as margens do Atlântico. Mas que é também do maior significado na história do próprio homem, escrita pelo génio crítico, pela inteligência, pelo método e audácia do Ocidente, essa Europa heróica que, nos tempos de demissão que vamos atravessando, só podemos reconh?2er já. como no verso do Pessoa, no "rosto com que fita e é Portugal".

Vozes: - Muito bem!

Pedro Alvares do Gouveia - assim o identifica a carta da capitania que levou quando enviado à índia - não é figura isolada na gosta do descobrimento do Quinhentos.

Anda aliada de perto - solidária no tempo e na obra - com a do Gama, que, nas vésperas do reconhecimento do Brasil, trouxera à Europa a descoberta da rota marítima para a índia pelo périplo da África.

E não pode conceber-se sem a presença, o comando firme e habilíssimo do Hei Venturoso, que n um e a outro - ao Gama dn índia e a Pedro Alvares do Brasil - acompanhou desde a preparação das armadas até às areias do Restelo no dia da largada. E ficou a velar pelo êxito das suas empresas, protegendo-as com o silêncio dos objectivos, assegurando-lhes os frutos da posse perante a comunidade internacional, através da hábil actividade diplomática, que culminará com o reconhecimento papal.

Ao centenário de Pedro Alvares que vamos celebrar este ano está ligado o centenário de D. Manuel, nascido a 31 de Maio de 1469, na vila de Alcochete, e o de Vasco da Gama, que viu a luz no mesmo ano, na vila de Sines, em data que não sabemos hoje precisar.

Uma nota nos impressiona nos dias que vão correndo e que trazem também ao primeiro plano das preocupações internacionais, os caminhos do Gama e de Pedro Alvares e a evocação da estratégia política do monarca.

Duque de Beja e de Viseu, senhor das ilhas de Cabo Verde, senhor de Viseu, da Covilhã e Vila Viçosa, governador e administrador do mestrado de Cristo, condestável de Portugal, fronteiro-mor de Entre Tejo e Guadiana e outras terras, D. Manuel sobe ao trono herdado de D. João II e é ordenado em Alcácer do Sal em 1495. Conta 26 anos apenas.

"Tinhão passado dous annos do seu reynado, quando despedyo no grande D. Vasco da Gama (depois conde da Vidigueira) com a primeira armada que mandou à índia" (História Genealógica da Casa Real Portuguesa, de Caetano de Sousa, p. 100).

Pois Vasco da Gama era ainda um moço da idade do soberano, que ia então nos 28 anos, quando se tornou responsável pela empresa "em que havia tantos anos se premeditava aquele descobrimento". E moço era Pedro Alvares, que andava pêlos 32 anos quando zarpou de Belém para terras de Santa Cruz.

Ao verificarmos a idade do rei e dos seus capitães, compreendemos - e só então - as assisadas apóstrofes "velho do Restelo", "que ficava nas praias, entre a gente, postos em nós os olhos, meneando três vezes a cabeça, descontente;" -"Oh glória de mandar! Oh vão cobiça". "Que mortes, que perigos, que tormentas, que crueldades nelles experimentas!" (Lusíadas, canto IV, xciv-xcv).

Porém, a Nação já seguira a juventude de Henrique, em Guimarães. E fez-se Portugal.

Apoiara o futuro incerto ao braço moço do Mestre de Avis e do seu Condestável - e garantiu a independência.

Confiara-se à mocidade de Quinhentos na hora da Descoberta - e foi à índia e criou o Brasil.

Recorreu mais tarde a uma geração nova na hora da derrocada - e a Pátria salvou-se em 1926.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Lançou-se-lhe o apelo às armas em 61 - c a Nação luta e resiste e triunfará.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Quem não sabe escutar nesta voz dos séculos n intuição maravilhosa da Nação, que nos dita o rumo da esperança nesta hora em que piedosos progressistas ou caducos defensores da cidadela entoam a ode contra a guerra de África e apregoam a tese "catastrófica