O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para tratar de alguns problemas concernentes ao transporte e à venda da energia eléctrica, que me parece terem grandeza suficientes para serem trazidos a esta Câmara.

Começo, Sr. Presidente, por destacar a grande ansiedade em que se está a viver na cidade de Coimbra, por se saber que se pretende impor à Câmara Municipal um novo agravamento dos preços de compra da energia eléctrica, dado que esse agravamento se repercutirá «m todo o sistema tarifário dos serviços municipalizados e, por consequência, nos orçamentos dos consumidores, que serão obrigados a pagar muito mais cara a electricidade, que se lhes tornou indispensável.

Procurando, como lhe cumpre, defender os interesses dos seus munícipes, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra expôs já em reuniões do corpo administrativo os dados do grande problema, elucidando convenientemente a edilidade e os consumidores da injustiça da arrogante exigência.

Tendo estudado, sucintamente embora, os dados da questão, afigura-se-me que o pretendido aumento dos custos da energia eléctrica assume o carácter de uma afrontosa prepotência, que só uma orgânica ainda extremamente defeituosa da comercialização da electricidade pode consentir.

Efectivamente, não .se compreende muito bem que se persista em proteger em nossos dias as empresas produtoras e grandes distribuidoras da electricidade como nos tempos incertos do começo da difusão desta poderosa energia, em que, para encorajar a pouca rentabilidade dos investimentos perante consumos restritos se atribuiu às empresas a posição de proeminência que as tornou verdadeiramente majestáticas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A natural evolução em ritmo acelerado da vida económico-social dos Portugueses, designadamente na metrópole, processada nas últimas décadas, arredou muitas das formas tradicionais da energia empregada, substituindo-as pela electricidade, que passou a ser a mais poderosa das forças em que o progresso se cimentou e cresceu.

Pudemos libertar-nos de inibições vergonhosas que nos vedavam o aproveitamento dos nossos recursos naturais, e, assim, surgiram as grandes barragens nos nossos rios, mercê das quais se dominaram as éguas, afeiçoando-lhes as forças ciclópicas à movimentação das geradoras da energia eléctrica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo se fez em ordem à obtenção de melhoramento da vida dos Portugueses, procurando colocá-la em paridade com os teores progressivos da vida de outros povos havidos como mais adiantados na civilização. Foi por isso que se não relutou em submergir, com as águas dominadas, aldeias e povos das vertentes por elas vivificadas que ali tinham centrado as suas vidas com heroísmo sem par.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o progresso tem o seu preço e, como o nascimento, não vem geralmente sem dor, segundo diz a sabedoria do povo!

Estes princípios tinham influenciado as bases da Lei n.º 2002, que, discutida nesta Câmara no ano de 1944, foi depois promulgada em 26 de Dezembro do mesmo ano.

Nela se deixaram especificar as linhas gerais da política da electrificação do País e se definiu que essa electrificação seria em tudo dominada pelo princípio de que representava em verdadeiro serviço público, como tal havida e tratada.

Daqui, as especiais regalias que foram outorgadas às empresas produtoras e distribuidoras da energia e que passaram a dominar todo o tratamento que lhes tem sido dispensado através da legislação específica, designadamente nas suas variadíssimas relações com os particulares para o condicionalismo do estabelecimento e manutenção das linhas de transporte da energia eléctrica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste capítudo tem-se assistido, e parece não terem fim, a prepotências das mesmas empresas.

Invocando direitos de toda a espécie, provindos da concessão que lhes foi outorgada; as empresas furtam-se ostensivamente a indemnizarem os proprietários de forma justa e razoável, segundo os princípios gerais do direito civil, pelos prejuízos que lhes causam com a invasão dos seus prédios pelos traçados das linhas condutoras e com o estabelecimento dos postes que as sustentam. Na verdade, está generalizado o procedimento das ditas empresas de não reconhecerem que esse estabelecimento fica a constituir uma verdadeira servidão, que diminui muito sensivelmente o valor dos mesmos prédios, já que lhes cerceia o rendimento com as arbitrárias faixas de segurança das linhas, ao mesmo tempo que impõe o devassamento do prédio pelo pessoal que tem a seu cargo a vigilância e manutenção das linhas exploradas.

E, porque assim procedem, abonadas em direitos que se arrogam sem parcimónia, as empresas limitam ostensivamente as indemnizações que se propõem pagar aos particulares, causando-lhes prejuízos absolutamente injustificados.

Pelo que sei, no distrito de Coimbra as coisas assumem um carácter de extrema inconveniência, uma vez que, por suposta determinação das entidades oficiais da fiscalização eléctrica, se estão a rasgar largas faixas de protecção às muitas linhas eléctricas de alta tensão que cruzam vastas zonas em que as espécies florestais dominavam, que, ficando reduzidas à esterilidade, empobrecem cada vez mais essas já empobrecidas zonas e os seus proprietários, a quem não é conferida compensação adequada aos prejuízos e restrições causados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora este anómalo estado de coisas, que não tem por fundamento qualquer lei vigente, deve, necessariamente, ser objecto de estudo consciencioso, para ser prontamente remediado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E de estudo, consciencioso está igualmente necessitada toda a política da electrificação nacional.

Bem se determinou na base XI da citada Lei n.º 2002 que o Governo delimitaria as áreas na grande distribuição em todo o território do continente, respeitando as regiões servidas pelas actuais concessionárias e repartindo com a possível equidade zonas ricas e pobres!

E bem se determinou ainda na alínea b) da base XIII que o regime do circuito ali estabelecido da venda de energia pelos produtores aos concessionários da grande distribuição e por estes aos consumidores ou distribuidores da pequena distribuição cessaria quando a existência de intermediários deixasse de ter justificação técnica e económica!