O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Folgo com o facto de a Câmara Corporativa, no parecer sobre a proposta de lei em discussão, ter aderido à tese por mim defendida e tornada pública, como posição parlamentar previamente assumida. Nesta intervenção, em poucas palavras definirei a minha posição no debate.
Para além das razões expressas no relatório da proposta de lei, ressalta o objectivo de alargar o colégio eleitoral através da extensão às mulheres do direito de eleger nas mesmas condições dos homens. Neste ponto creio não haver divergência de opiniões nesta Assembleia, e o acesso das mulheres à capacidade eleitoral nas condições dos homens está hoje experimentada e consagrada em várias legislações estrangeiras. Aliás, o Código Civil de 1966 havia introduzido substancial equiparação do estatuto jurídico da mulher ar homem. Esta importante reforma do seu estatuto político representa uma conquista que se insere na orientação já consagrada da lei civil. Só mer ece, pois, apoio e aplauso a iniciativa do Governo quanto a este aspecto.
Já não é tão convincente o argumento, também invocado no relatório da proposta, do decréscimo do analfabetismo para generalizar a incapacidade a todos os analfabetos. Anoto-se que o pendor do parecer da Câmara Corporativa é bodo no sentido do apoio sem reserva também a este ponto da proposta de lei. E, por isso, assume de algum modo carácter de súbita viragem o último parágrafo do n.º 7 do texto, justificativo do artigo 2.º do dispositivo proposto. E aí, porém, que se consagra a tese por mim defendida.
E a ela vamos. Certo que a campanha contra o analfabetismo redundou em êxito considerável e, através dela, no decurso de a és lustros, as taxas sofreram sensível decréscimo. Praticamente ninguém hoje, em idade escolar, está ausente do ensino, e a educação de adultos obteve resultados de algum modo satisfatórios. Mas subsistem manchas relevantes, sobretudo entre indivíduos dos meios rurais e de mais 40 ou 50 anos.
Os meios rurais estiveram privados de escolas durante largo período, e tempo houve em que grande parte da população, hoje adulta, por culpas que lhe não podem ser imputadas, se viu privada de acesso ao ensino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para muitos já veio tarde de mais a campanha de recuperação há alguns lustros encetada.
Pelo censo da população realizado em 1950, valendo-nos dos números publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, a taxa média de analfabetismo no continente e ilhas adjacentes era de 40.4 por cento, assim distribuída por idades:
Percentagem
7 a 9 anos ............... 21,5
15 a 17 anos ............... 31,5
25 a 34 anos ............... 36,7
35 a 44 anos ............... 46,6
45 a 54 anos ............... 50,3
55 a 64 anos ............... 56,8
Todos os anos uma razoável percentagem de alunos adolescentes e adultos obtém aprovação no exame da 4.ª classe. Por exemplo, no ano lectivo de 1966-1967 estiveram nessas circunstâncias 28 030 alunos, dos quais apenas 3663 com mais de 40 anos e todos os restantes com menos desta idade. Isto indica-nos que a partir dos 40 anos são já poucos os indivíduos que se decidem a pegar no livro escolar.
Outro elemento estatístico que convém referir é o de que a taxa de analfabetismo atinge níveis mais elevados em certas regiões. Por exemplo, em 1950, enquanto aquela taxa era apenas de 25,4 em Lisboa, atingia 45,8 em Bragança, 48,3 em Évora, 48,9 no Funchal. 51,2 em Castelo Branco e Portalegre e 57,9 em Beja.
Estes números baixaram muito, com certeza, desde 1950 até aos nossos dias, mas não tanto que não deixe de ser ainda infelizmente bastante elevada a taxa de analfabetismo nos meios rurais.
Pelo censo de 1960, a taxa média de analfabetismo no continente e ilhas apresentava a seguinte distribuição, por idades:
Percentagem
15 a 19 anos .................. 9,4
30 a 34 anos .................. 30,4
40 a 44 anos .................. 39,3
45 a 49 anos .................. 48,8
Média geral de 7 e mais anos .. 31,1
Pelo censo de 1960, a taxa média era de 20,6 em Lisboa, mas atingia 35,5 em Bragança, 38,1 em Évora, 34,7 no Funchal, 39,4 em Castelo Branco, 39,6 em Portalegre e 44,1 em Beja. Em Viana do Castelo, por exemplo, a taxa média de analfabetos, pelo censo de 1960, é 33,9. Farei publicar no Diário das Sessões, como anexo a esta intervenção, um mapa das percentagens de analfabetos por distritos e grupos de idade, segundo o censo populacional de 1960. Tal inserção tem ainda o mérito de tornar públicos pela primeira vez esses elementos, que até agora não estavam em condições de serem publicados. Certo que estes números admitem correcções, a primeira das quais advém de se reportarem a 1960 e já terem decorrido oito anos, e, depois, a margem de erro que todas as estatísticas implicam. Mas, com maior ou menor erro, a nossa tese, para efeito da proposta de lei em discussão, mantém-se de pé.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - Existe uma larga mancha de indivíduos iletrados em aldeias do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Douro e mesmo do Alentejo. Nesse número se incluem pequenos proprietários rurais, homens até de bom conselho e respeito, dispondo porventura de avultados bens de família è até donos de prósperas empresas. Ou porque na aldeia não houvesse escola ao tempo da sua juventude, ou por falta de posses, ou de mentalidade dos próprios pais, ficaram definitivamente marcados pelo analfabetismo.
Vozes: - Muito bem!