O Orador: - A campanha de recuperação de adultos criou aos iletrados dificuldades no emprego e para o emprego. Mas os estímulos não atingiram os rurais em termos eficientes, pelo que permanece um resíduo incompreensível, que se alarga para além dos 40 anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos desses homens têm vindo, todavia, a dispor do direito de voto, ao abrigo da lei eleitoral ainda vigente. Tantos deles revelaram-se elementos utilíssimos para os interesses das suas paróquias. E não poderiam compreender porque se lhes iria coarctar, de chofre, um direito que sempre exerceram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao lado, verão porventura a sua criadita, ou a jornaleira ou a empregada, de 21 anos contados, gozar do direito cívico que a eles lhes seria negado - só porque elas nasceram em tempos mais bem apetrechados nos domínios do ensino e na mentalidade das pessoas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei, tal como está, pode ser correcta para os meios urbanos, mas enferma de defeito quando observada à luz das realidades da província. A iniciativa legislativa que pretende alargar o colégio eleitoral acabaria por vir a reduzi-lo neste concreto domínio. Nem se argumente que, retirando o direito de voto a todos os analfabetos indiscriminadamente, se extermina o chamado «caciquismo» - com mais possibilidades de êxito, segundo alguns, nos meios incultos e impreparados. Anote-se que nos Estados Unidos, por exemplo, país sem analfabetismo, o caciquismo, embora modernizado e evoluído, assume aspectos de autêntica institucionalização.

Vozes: - Muito bem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Através da palavra e da imagem supre-se a escrita de forma avassaladora, levando aos próprios analfabetos uma compensação de conhecimentos da vida e do Mundo de que se encontravam privados no tempo do exclusivo recurso à imprensa e ao livro.

A estas razões podemos acrescentar uma outra que advém da circunstância de em certas regiões ser precisamente o escalão das pessoas mais idosas que constitue os residentes, em vista de a emigração levar para fora muita gente nova. E àqueles teremos que preservar a participação activa na vida cívica e política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, dando apoio à proposta de lei na generalidade, faço-o com a reserva de na especialidade ser consagrado o princípio de que os analfabetos que tenham já sido algumas vezes recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, não serão feridos de incapacidade desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, adianto que não julgo satisfatório o texto proposto no parecer da Câmara Corporativa. Com efeito, ele não traduz exactamente aquele pensamento e, além disso, afigura-se formalmente mais correcto o texto da proposta de lei, ao qual bastará um simples aditamento para se atingir o objectivo enunciado. Mas isso ficará para desenvolvimento durante a discussão na especialidade.

Sr. Presidente: Vou terminar.

Num serão pregado na capela real, em 1950, o padre António Vieira falava deste modo: «Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota no amigo, porque é amigo; vota no recomendado, porque é recomendado; e os mais dignos e os mais beneméritos, porque não têm amizade, nem parentesco, nem valia, ficam de fora. Acontece isto muitas vezes.»

«Nunca deixou de ser assim», acrescentava o egrégio jesuíta. Esperemos, todavia, que se caminhe no sentido de votar nos mais dignos e nos mais beneméritos. Diz-se que o saber não ocupa lugar: eu direi que o saber deve ocupar lugares. Com este voto me fico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade, nem na Mesa foi apresentada qualquer questão prévia no sentido de fazer retirar o assunto da discussão, por importuno ou inconveniente. Declaro, por isso, encerrada a discussão na generalidade, passando à discussão na especialidade.

Vou mandar ler uma proposta de aditamento ao texto da proposta de lei, apresentada durante a generalidade, e que não tive ocasião de mandar ler antes.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de aditamento

Propomos que ao texto da base da proposta de lei seja aditado o seguinte:

... e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.

São eleitores da Assembleia Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever português e não estejam abrangidos por qualquer das incapacidades previstas na lei e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.

E que ao dispositivo seja acrescentada a seguinte:

Esta lei entra imediatamente em vigor.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Dezembro de 1968. - Os Deputados: Albino dos Reis - Júlio Evangelista.