O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base única da proposta d.j lei. sobre a qual há na Mesa uma proposta de aditamento.

Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

São eleitores da Assembleia Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever português e não estejam abrangidos por qualquer das incapacidades especialmente previstas na lei.

Proposta de aditamento

Propomos que ao texto da base da proposta de lei seja aditado o seguinte:

... e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 194.6, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.

São eleitores da Assembleia Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever português e não estejam abrangidos por qualquer das incapacidades previstas na lei e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 2í de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Esta base I da proposta de aditamento apresentada salva todo o corpo da proposta de lei do Governo na parte primeira. Quer dizer: no que diz respeito ao alargamento do voto às mulheres, o direi ;o em questão está perfeitamente consagrado nesta base I, tal como vinha, aliás, na proposta de lei do Governo. Apenas se acrescentou esta segunda parte, que diz: «e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados».

Esta segunda parte aproveitou a ideia contida no texto proposto pela Câmara Corporativa no artigo 2.º, que diz: «Serão ainda eleitores da Assembleia Nacional os cidadãos portugueses que, não possuindo as condições exigidas no corpo do artigo anterior, já tenham alguma vez sido recenseados.» Aproveitou-se, portanto, esta parte do texto da Câmara Corporativa, na sua essência, acrescentando-se, porém, esta restrição, que a Câmara Corporativa, não fazia: «desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados». Estamos, assim, perante dois domínios de aplicação desta base I. Os que, não sabendo ler nem escrever português, alguma vez foram recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015 mantêm toda a potencialidade jurídica da situação que lhes advinha do texto da citada lei, isto é, continuarão a dispor do direito de serem eleitores, desde que satisfaçam aos requisitos que já estão consagrados nessa mesma lei, cuja regulamentação se mantém perfeitamente em vigor.

Quanto ao futuro, estabelece-se que não há mais inscrições, no recenseamento eleitoral, de indivíduos que não saibam ler nem escrever português. Quer dizer: para o futuro entra-se no domínio da lei nova, mas ressalvam-se as situações, digamos, impropriamente adquiridas, quanto ao passado, por aqueles que, não sabendo ler nem escrever, exerceram alguma vez o direito de voto, porque, designadamente, pagaram ao Estado determinadas contribuições que a Lei n.º 2015 fixa. O texto que a Câmara Corporativa propunha diferenciava-se deste porque não fazia a restrição final: «desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados». O que aconteceria se adoptássemos o texto da Câmara Corporativa? Quem uma vez estivesse recenseado nos termos da Lei n.º 2015 ficaria permanentemente com o direito de ser eleitor, mesmo que já não satisfizesse às condições exigidas por aquela lei. Ora, com a restrição agora acrescentada, um antigo eleitor que paga determinadas contribuições, que cumpre, portanto, com as condições daquela lei, continua a ser inscrito no recenseamento, mas, se para o ano seguinte deixa de pagar essas contribuições e de satisfazer às demais exigências, deixa também, naturalmente, de ser eleitor. Segundo o texto da Câmara Corporativa, quem, não sabendo ler nem escrever português, alguma vez foi recenseado, mesmo que tivesse perdido, nos termos da Lei n.º 2015, o direito de ser eleitor, porque deixou de pagar contribuições, continuaria, nos termos da nova lei, com esse direito. A proposta de aditamento, neste momento, limita esta faculdade. Quem alguma vez foi recenseado nos termos da Lei n.º 2015 mantém, para o futuro, toda a potencialidade de ser eleitor, mas também deixará de o ser no momento em que já não satisfizer às condições que a referida lei prescreve.

Este esclarecimento é fundamental para se medir a diferença entre a proposta da Câmara Corporativa e esta que está em discussão, cuja finalidade é efectivamente ressalvar direitos adquiridos, mas também não dar mais direitos.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: Gostaria de pôr no Sr. Deputado Júlio Evangelista uma pergunta muito simples, decorrente de uma dúvida minha, e que é a seguinte: e se um indivíduo analfabeto que perdeu o direito de ser eleitor, por em determinada altura deixar de satisfazer às condições exigidas pela Lei n.º 2015, volta mais tarde a cumprir com essas condições? Tal indivíduo readquire o direito de eleitor?

O Sr. Júlio Evangelista: - É evidente que tal indivíduo voltará, nessa hipótese, a poder ser eleitor, cujo direito apenas perdeu momentaneamente, isto é, enquanto deixou de satisfazer às condições exigidas pela Lei n.º 2015. Passamos, portanto, a viver em dois regimes.

O Sr. Soares da Fonseca: - ... Regimes eleitorais!

O Sr. Júlio Evangelista: - Evidentemente, regimes eleitorais ...

Creio bem que o problema está suficientemente esclarecido, pelo que nada mais tenho a dizer.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a base I, na sua segunda parte, colhe o sugerido pela Câmara Corporativa no seu parecer no sentido de manter para alguns analfabetos o direito de voto, desde que paguem ao Estado e corpos administrativos quantia acima de certa importância e já tenham alguma vez sido recenseados.

Esta transigência para com alguns analfabetos vem de épocas em que a taxa de analfabetismo era muito pesada.