a jurisprudência penal francesa entendeu não ser de admitir a reformatio in pejus, quer em recurso de apelação, quer em recurso de revista, apesar de o referido parecer de 1806 ter apenas por objecto a apelação. Pois apesar disto, o legislador francês entendeu dever tomar posição expressa contra a reformatio in pejus em 1957, no artigo 515.º do Code de Procêdure Pénale, que se encontrava em vigor desde 1959.

Isto, para não falar de muitos outros sistemas legislativos que se inclinam para a solução de sinal idêntico, a vários dos quais faz, aliás referência o douto parecer da Câmara Corporativa. Baixando ao plano constituído, iremos ainda encontrar argumentos em favor da modificação do regime vigente.

Com efeito, a proibição da reformatio in pejus, a ser consagrada no actual sistema processual português, irá reintroduzir aquela harmonia que lhe retirou a admissão, em 1950, do odioso instituto compaginando-se perfeitamente, por exemplo, com a faculdade, que a lei consagra no artigo 647.º, n.º 1.º do Código do Processo Penal, de o Ministério Público interpor recurso de quaisquer decisões mesmo no exclusivo interesse da defesa. Ora, esta disposição legal não se concilia com a reformatio in pejus, pois é chocante admitir que, proferida uma decisão condenatória, o Ministério Público - apesar de abstenção de recorrer por parte do réu - interponha recurso no exclusivo interesse da defesa e venha depois o arguido a ser prejudicado pelo recurso do Ministério Público a seu favor.

O Sr. Tito Arantes: - Muito bem!

O Orador: - Só a proibição da reformatio in pejus confere inteiro sentido do Ministério Público para recorrer no exclusivo interesse da defesa.

Sr. Presidente: 6. O projecto de lei em apreciação põe em causa um dos mais elementares direitos dos cidadãos, que é o direito de defesa em processo criminal, e procura satisfazer uma necessidade muito correcta que se apresenta nos meios ligados ao foro, assegurar plenamente o direito de recurso aos arguidos em processo penal, em quaisquer restrições derivadas de um legítimo e natural temos de ver agravada a pena aplicada. Realmente, ele traduz-se em revogar o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1950.

Cumpre, todavia, esclarecer que de modo algum se encontra subjacente à alteração legislativa em discussão qualquer menosprezo pela competência da magistratura portuguesa ou crítica a trabalho seu. Regulamentar por via legislativa o exercício do Poder judicial é consequência directa da hierarquia lógica das funções do Estado.

Aproveito a ocasião para desta tribuna - a mais alta Nação, de entre todas porventura também a mais livre - prestar a minha homenagem a esse corpo de escol que é a nossa magistratura, a qual, através de todas as vicissitudes, tem sabido manter em nível excepcional o espírito de sacrifício, de integridade incorruptível, e de trabalho tantas vezes obscuro, mas donde emergem das mais límpidas e sólidas colunas das estruturas morais e jurídicas do Estado Português. E também aproveito para com o desapaixonamento de quem não é parte interessada, mas com a ciência de causa de homem do loro que sou, chamar a atenção do governo para as condições muitas vezes precárias em que vivem e trabalham esses integérrimos servidores da colectividade e da justiça.

O Sr. Tito Arantes: - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem que olhar em desvelo para a situação em que vive e trabalha a magistratura, tem de tornar a carreira aliciante, pois ela é, em suma, a espinha dorsal de um verdadeiro estado de direito. E isto tem de ser feito já, sem demoras, para que não falte justiça àqueles que têm de a administrar!

Sr. Presidente: 7. Não me parece que seja preciso prolongar esta intervenção. As principais razões que fundamentam a alteração legislativa proposta foram aqui devidamente resumidas e encontram-se desenvolvidas no extenso relatório que acompanha o projecto de lei. Com alguma variantes, a Câmara Corporativa retomou essa argumentação, pronunciando-se pela aprovação na generalidade do projecto de lei. O âmbito e a formulação concreta da nova regra de direito são também conhecidos. No notável trabalho produzido, a Câmara Corporativa introduziu-lhes algumas modificações que constituem elementos válidos para a elaboração do texto definitivo. Quer isto dizer que embora aceitando em princípio o contraprojecto da Câmara Corporativa, se nos afigura ser vantajoso sujeitá-lo a certos ajustamentos. Mas a este respeito, qualquer consideração posterior melhor caberá durante a discussão na especialidade. E para aí me guardo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para hoje. Nestas condições, vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão à hora regimental. Continuará a discussão na generalidade do projecto de lei sobre a alteração do artigo 667ª do Código de Processo Penal e far-se-á também a discussão na especialidade.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias Magalhães.

António Augusto Ferreira da Cruz.

António Calapez Gomes Garcia.

António José Braz Regueiro.

Arlindo Gonçalves Soares.

Artur Alves Moreira.

Francisco António da silva.

Francisco José Roseta Fino.

Gabriel Maurício Teixeira.

Henriques Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.

Hirondino da Paixão Fernandes.