mador. A dispersão do habitat africano, a falta de meios de comunicação, a dificuldade consequente de formação de núcleos populacionais duradouros, a necessidade de uma constelação de escolas, a rotina a utilização do trabalho infantil nas fainas quotidianas, a previsível reacção dos exploradores da ignorância - ainda hoje a indústria mais generalizada e rendosa -, sei tudo isso!

Julgo saber também que a circunstância de não se poder de um salto fazer tudo não constitui razão válida para que se não falta o possível.

Vozes: - Muito bem!

Refiro ainda da minha observação pessoal um dado também significativo, que é o de dois africanos que falam o português normalmente comunicarem entre si na língua nativa. Esta surge nesta medida, a meus olhos como um escuto protector da sua intimidade. Dizem-me que em Angola o problema de difusão da língua portuguesa é meno agudo. Colho daí a alegria de sabê-lo, mas também a preocupação de um desnivelamento entre duas províncias que tendendo, naturalmente, a acentuar-se, torna mais séria a situação de Moçambique.

Deste modo, quando se toma consciência do pouco que, neste domínio, já foi feito, mais facilmente se alcança o mérito do que pode fazer-se.

Para começar, dispomos de um auxílio inestimável: a sede de saber que caracteriza o nativo, e a sua extraordinária capacidade de memorização. É impressionante verificar a facilidade e rapidez com que os nativos recém-chegados aos centros urbanos em busca de trabalho, sem conhecer uma palavra de português passa a dominar o pequeno capital de vocábulos necessários ao contacto quotidiano com o patrão europeu. Senhor de uma capacidade de retenção verdadeiramente extraordinária, é ainda ajudado pelo seu conhecido sentido musical.

Positiva é também a contribuição do facto de a língua portuguesa ser de há muito a fonte subsidiária das línguas nativas. As palavras correspondem aos fenómenos do progresso e em geral à civilização tecnológica - como automóvel, bicicleta, etc. - são já correspondentes da língua portuguesa.

É claro que tudo isto ó pouco para não continuar a ser desanimadora a tarefa de difusão, em termos de predomínio, da língua portuguesa entre os nativos.

Não obstante, se pensarmos até que ponto enriqueceremos a Pátria, quer do ponto de vista da unidade espiritual, quer do ângulo do progresso humano: se pensarmos, enfim, na perenidade do Brasil português só porque portuguesa é a língua falada no Brasil, ganharemos alento para uma declaração de guerra à alienação de quase metade da população portuguesa, pela via da tal muralha de línguas incomunicáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A primeira questão que se nos depara, no plano das soluções possíveis, é de ordem, problemática: deverá tentar-se simultaneamente, o ensino da língua e a alfabetização, ou a consideração de que o "óptimo é inimigo do bom" aconselha a que nos contentemos com, um vasto programa de difusão da língua falada, relegando para segundo plano, ou para outra ordem de preocupações, a aprendizagem da sua leitura e da sua escrita?

Não faltam entre, nós especialistas capazes de uma programação realista e inteligente, que mobilize todas as potencialidades disponíveis e se detennha ante os obstáculos intransponíveis, pelos meios de que dispomos.

Bem pode acontecer que rudimentos da escrita possam, constituir precioso auxilio da difusão da língua falada. E também é possível que o ensino da língua falada em separado da sua forma escrita represente desdobramento antieconómico e, como tal, condenável do ângulo de uma sã administração dos meios disponíveis.

Porém, pode ainda acontecer que o propósito da difusão a curto prazo da língua falada se revele tão inestimável que não deva ser comprometido ou retardado pela preocupação de uma alfabetizarão maciça.

Num primeiro contacto com o problema, eu, que não sou especialista na matéria, julgo que talvez seja conveniente conciliar os dois caminhos, conforme as circunstâncias a difusão da língua falada predominaria relativamente, aos meios não urbanos e às idades pré-escolares, preferindo-se a alfabetização relativamente, às idades escolares e aos aglomerados permanentes.

Assalta-me desde já a visão de escolas itinerantes para os meios rurais e o recurso a escolas fixas para ou meios urbanos, utilizando melhor o papel da rádio o futuramente da televisão.

Visiono também o recurso a meios de fixação das populações dispersas, que desempenhem simultâneamente o papel de meios de captação e de confiança das mesmas nas inovações a introduzir.

As medidas estimulantes poderiam ser tomadas no sentido de criar um clima de colectivo interesse para aprendizagem da língua portuguesa: isenções fiscais, preferências de vária ordem, garantia de trabalho, actividades gimnodesportivas, etc.

A gama das hipóteses não tem limite. Caberá, pois, aos especialistas pronunciarem-se.

Sairia do âmbito deste trabalho o esboço sequer de um programa de actuação para a difusão da língua portuguesa entre os nativos. Tal programa, como é evidente, envolve aspectos político-sociais, económicos e outros, pelo que só pode ser eficazmente concebido como trabalho de equipa dos vários departamentos encarregados de cada um dos aspectos respectivos.

Não obstante, como entendo que é por de mais fácil enunciar problemas quando se lhes não apontam soluções, direi mais alguma coisa sobre o que se me afigura digno de ser tomado em conta.

Antes de mais, penso que a magnitude do objectivo a atingir constitui um desafio a todas as nossas reservas de capacidade.

Seria algo de apaixonante e significativo que, se conseguisse a aliança de toda a população europeia e africana que, no ultramar, já fala a língua portuguesa, no sentido de cada, um dar o contributo possível para uma vasta campanha de reaportuguesamento.