Sem pretender minimizar os esforços até ao presente despendidos para atenuar, neste domínio, a acuidade de uma situação, que se me afigura particularmente séria em Moçambique, creio que a Assembleia Nacional não pode fugir a denunciar o problema e a apregoar a necessidade de que ele seja atacado em toda a sua amplitude: há-de começar-se pela planificação racional e realista dos objectivos a atingir e dos meios e métodos a utilizar, o que pressupõe estudos aprofundados dos diversos aspectos assumidos por questão tão complexa, que não se compadece com actuações isoladas e casuísticas, nem com amadorismos ou improvisações.

Problema nacional, à escala nacional tem que ser encarado, sem embargo de, para a sua resolução progressiva, se atribuírem responsabilidades às entidades locais e se chamarem a uma colaborarão activa as comunidades regionais ou gentílicas mais interessadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Problema pedagógico, há que solucioná-lo, lançando mão dos ensinamentos e das técnicas mais aconselhadas pelas ciências da educação e pela experiência - a nossa e a alheia.

Problema psicológico, há-de ser posto, em jeito do campanha ou de cruzada, à consciência de todos os portugueses e em particular à daqueles que, pela cultura, inteligência e posição social, terão de assumir mais pesadas responsabilidades na propagação da "madre-língua portuguesa", para usar a bela expressão de António Correia de Oliveira.

Problema financeiro, não deverá o Estado esquivar-se a investir, nos programas destinados a debelá-lo ou a atenuá-lo nas suas causas e consequências, as verbas indispensáveis, que bem poderão obter-se através de uma revisão geral dos gastos públicos feita em obediência a rigorosa hierarquização das aspirações e necessidades do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Problema político, porque estreitamente relacionado com o da própria integração nacional, e com a, nossa vocação civilizadora, haverá de ocupar, na consciência e na acção do escol dirigente, o lugar cimeiro exigido pela sua natureza e pela sua transcendência.

Categoricamente, este imperativo emerge de fundas razões de carácter moral e cristão, que sempre imprimiram sentido superior à nossa vida gregária e à nossa maneira de estar no Mundo.

Não será a história pátria a própria história da nossa língua, dessa "ilustre, velha e cantante língua portuguesa do nosso mais fiel amor", na definição terna e justa de Pedro Calmon?

Há mais de oitocentos anos que ela acompanha, numa fidelidade que é quase identificação, a alma da grei, dando-lhe voz: voz para deleitar e seduzir, para comunicar e transmitir, para afirmar e convencer, para orar e cantar, para perdoar e abençoar, para converter, para civilizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É a vos dos reis e do povo: dos guerreiros e dos mareantes; dos doutores e dos legistas; dos santos e dos mártires: dos segréis e dos cronistas: dos poetas, dos oradores, dos prosadores.

É a voz do nosso sangue e do nosso espírito.

Falou ao mar ... e o mar aquietou-se e abriu-se-lhe promissor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Falou às estrelas ... e as estrelas deram-lhe o rumo de novos mundos e apontaram-lhe as claridades de altos destinos.

Falou às gentes do seu peregrinar envagelizador ... e as gentes sentiram-na e entenderam-na na sua oração de paz e amor.

Essa voz "tuba de oiro", falou a Deus ... e Deus ouviu-a complacente, sorriu, comoveu-se abençoou-a e fê-la palavra da Sua palavra, sopro do Seu envagelho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No transcurso das gerações, ela a "fala que Deus nos deu", encheu e enche, de vida e luz os mais veneráveis documentos, desde os cancioneiros e nobiliários às crónicas de Fernão Lopes, aos autos de Mestre Gil, aos versos de Sá do Miranda, às Décadas de João de Barros e Diogo Couto ... até à maioridade do seu génio, na sinfonia pujante avassaladora, épica, do poema camoniano ... e à, prosa encantadora e tersa de Frei Luís de Sousa e Bernardes e à oratória portentosa de Vieira, esse "imperador da língua portuguesa", no epíteto lapidar de Fernando Pessoa, e mais tarde, sempre a aperfeiçoar-se, a robustecer-se, a aformosear-se, à linguagem rica, bela e flexível de Garrett, Herculano, Camilo, Eça e de Castro Alves, Machado de Assis, Olavo Bilac, Rui Barbosa ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - "Língua de epopeia e amor" lhe chamou Afrânio Peixoto: "espinha dorsal da unidade pátria" a definiu Cláudio de Sousa: "imensa, soberana, omnipotente" a baptizou Rui Barbosa: "laço de povos e harmonia" a cantou Lopes Vieira, e "idioma sagrado", Olegário Mariano; "espelho da própria alma da latinidade" a retratou o Caeiro da Mata; "harmoniosa, opulenta, incomparável maravilha e veículo de uma cultura deslumbrante" a reverenciou Júlio Dantas - "a língua heróica, maternal, nobilíssima, essa obra-prima, depósito venerável das nossas tradições, veio de ouro em que se moldaram as mais puras criações do espírito nacional ... Língua da oração ... das batalhas ... dos naufrágios ... da Conquista ... Língua do Portugal."

Sim! Tu és, ó Língua do meu País, asa e flor: onda e lume: saudade e poema. Mais do que isso, é Língua dos mares, tu és vínculo, compromisso, certeza, vida!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - João de Barros advertia que "as armas e os padrões portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da terra materiais, são e pode-as o tempo gastar; porém, não gastará doutrina, costumes, linguagem que os Portugueses nestas terras deixarem".

Já em 1504 seguiam para o Congo "muitos mestres de ler e escrever". Em 1512, na escola de Cochim, criada por Afonso de Albuquerque as crianças aprendiam português por "cartinhas" enviadas por D. Manuel, que, três anos depois, oferecia ao negus da Abissínia uma tipografia, milhares de livros de leitura e alguns catecismos.

Esta política foi invariavelmente mantida pelos tempos fora quer como processo de expansão da língua,