O Orador: - O Porto e os concelhos limítrofes têm suportado com muita paciência, não isenta de compreensão, muitos incómodos derivados de um deficiente abastecimento de águas em certas épocas do ano.

Os inconvenientes desse estado de coisas ultrapassam o simples domínio das necessidades particulares, pois reflectem-se nas próprias actividades industriais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara Municipal do Porto, pelos respectivos Serviços Municipalizados, em colaboração com outros municípios interessados e com o incitamento e o apoio do Estado, todos cientes da importância do caso e da acuidade dos seus reflexos, tem cm execução um sistema de abastecimento de águas aos concelhos do Porto e limítrofes, de cuja continuidade se deve esperar o conforto e o alívio que façam esquecer os sacrifícios já suportados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que também nesse aspecto possamos encontrar, e disso estamos seguros, mais um exemplo de boa colaboração, para benefício geral.

Já agora, queria deixar aflorado, em rapidíssima anotação, um tema que me tem interessado desde há muitos anos.

A designação "capital do Norte" não devia corresponder a simples metáfora ou a vago reconhecimento da grande importância a que o Porto se guindou por seu esforço próprio e por especial condicionalismo geográfico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A essa designação devia ser inerente uma realidade jurídico-administrativa que correspondesse a uma prudente e salutar descentralização, com todas as vantagens que lhe são reconhecidas por eminentes espíritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O congestionamento burocrático derivado de uma centralização excessiva não se coaduna com a dinâmica da vida moderna, provocando grandes e inevitáveis demoras na resolução de problemas prementes, com todas as respectivas inconveniências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Milhares de horas perdem anualmente, quer as autoridades, quer as pessoas privadas, nas suas deslocações a Lisboa por causa de assuntos de reduzida importância, em cujo trato são despendidos, por vezes, escassos minutos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem doutrinária, nem pragmaticamente, ocorre qualquer contra-indicação para um movimento cautelosamente descentralizador.

Em suma: deixo consignado o meu voto de que não tardem muito os tempos em que no Porto seja resolvido tudo quanto o possa ser sem detrimento da política geral, da coordenação administrativa, nos altos planos das conveniências nacionais, e da estabilidade e da operosidade do Regime, nas suas inesgotáveis potencialidades.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca da difusão da língua portuguesa em Moçambique.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jesus Santos.

O Sr. Jesus Santos: - Sr. Presidente: No passado dia 8 o Sr. Presidente do Conselho experimentou na televisão uma forma de comunicar com o País verdadeiramente singular. Numa linguagem simples, acessível à maioria do comum do" portugueses, despida de escusadas roupagens literárias e de "densos" conceitos técnicos ou científicos, o Sr. Prof. Marcelo Caetano teria iniciado um diálogo aberto e franco com os seus ouvintes se essa houvesse sido a sua intenção e se as circunstâncias, de lugar e de tempo, o tivessem consentido. De qualquer modo, deu início a uma nova forma de esclarecimento dos grandes problemas que preocupam o Governo e dos propósitos de os resolver, que efectivamente esclareceu, já que foi apreensível, na forma e na essência, a elegantíssima "conversa familiar" que quis ter com todos nós.

Vêm estas palavras a propósito do modo como se realizou o debate no plenário desta Assembleia. Por razões que desconheço e que me penitencio de nunca haver investigado, o plenário da Câmara funciona em termos tais que rouba aos Deputados a oportunidade de discutirem de facto os problemas que são trazidos à sua consideração. Desvirtuou-se, deste modo, o escopo fundamental da actividade parlamentar, que, por razões de utilidade política, devia ter a natureza e o estilo de um franco diálogo, que infelizmente só poucas vezes se verifica. O uso que se foi introduzindo na Câmara de os parlamentares apresentarem sistematicamente as diversas questões sob a forma de discursos escritos, mais ou menos extensos, criou nos Srs. Deputados a preocupação de apresentarem primorosas obras literárias, económicas ou sociais -raramente políticas-, que, mercê da sua forma e da sua extensão, constituem, sem dúvida, eruditos e belos monólogos, mas apenas monólogos.

O esclarecimento, a discussão viva dos problemas, poucas vezes tem lugar. Com efeito, a um discurso segue-se outro discurso, porventura tanto ou mais belo, tanto ou mais elegante do que o primeiro, mas a maioria de nós não chega a aperceber-se do essencial dos problemas porque não houve a indispensável comunicabilidade de ideias e troca de impressões, e portanto, não chegou a despertar o interesse, que só o debate imediato e despretensioso faz nascer.

Por outro lado, acontece que, por razões de vária ordem - diferenças de cultura, de talento literário ou da própria maneira de ser de cada um -, nem todos os Deputados são capazes de elaborar orações eloquentes, mas, apesar disso, todos poderiam utilmente trazer uma achega à clarificação e entendimento das questões postas. Por mim, confesso que experimento sempre grandes dificuldades quando tenho de fazer uma intervenção formal, já que me falta o suficiente talento literário ou mesmo a simples facilidade de expressão. Julgo, todavia, que algumas vezes poderia fazer ouvir a minha voz trazendo despretensiosamente um ligeiro apontamento, apresentando uma sugestão que a vida política do dia-a-dia aponta ou ainda rebatendo um ponto de vista com o qual eventualmente não possa concordar.