Daí que, naturalmente, sinta maior propensão para trabalhar nas comissões onde, na realidade, se estabelece diálogo aberto e amplamente esclarecedor dos casos que suo postos à nossa ponderação. Daí também que inicialmente não estivesse inclinado a intervir na discussão do aviso prévio do ilustre Deputado que é o Dr. Manuel Henrique? Nazaré, apesar de o reputar de transcendente significado político e social na vida da Nação e de ter por aquele meu eminente par a maior consideração política, o mais alto apreso intelectual e a mais viva simpatia humana.

Apesar de tudo, e reconhecendo as limitações próprias, decidi-me a fazer um breve e descolorido apontamento.

Infelizmente, nunca, estive em Moçambique. Ignoro, portanto, a exacta extensão do problema, enunciado quanto à. expansão da língua portuguesa na granido província do Indico. No entanto, o grito de angústia lançado nesta Câmara pelo sou digno representante é de molde a provocar as mais sérias apreensões. Ficámos a saber, com efeito, que naquela terra portuguesa a grande maioria dos seus filhos não fala nem entende a língua-mãe: que, como consequência disso, se suscitam graves problemas humanos, sociais c políticos c se corre o risco do ver atraiçoado esse belo produto do espírito lusíada que é a ímpar e harmónica sociedade multirracial que só nós soubemos criar.

Graças a Deus, nessa outra grande província portuguesa do Atlântico que é Angola não sucede exactamente o mesmo. Ali, também o problema da difusão da língua nacional apresenta certa acuidade, mas pode asseverar-se que, nela, a maioria dos seus filhos fala correntemente a língua portuguesa. E para já, o essencial é que os portugueses de Angola utilizam na linguagem falada e escrita

o idioma, da Pátria-Mãe. É evidente que não se pode exigir que a generalidade das pessoas ali fale um português correcto, literariamente perfeito. O presente aviso prévio não equaciona tal questão, que é, se bom entendi, objecto de um outro aviso, cujo tema se centraria precisamente na defesa du pureza e da correcção da língua.

conheça a fraca densidade demográfica de certos grandes espaços de Angola e as dificuldades de penetração resultantes ou da agressividade do meio geográfico ou das insuficiências e, por vezes, carências totais de vias de comunicação. Isto, sem embargo do notável esforço que neste sector só tem feito nos últimos anos.

A difusão da língua portuguesa, como instrumento de convívio humano e de comunicação do pensamento, não apresenta, pois a meu ver, em Angola o aspecto gritante de que parece revestir-se em Moçambique. Todavia, tudo pareceria indicar que o fenómeno só devia verificar ao contrário, já que é imensamente maior a dimensão geográfica de Angola e acentuadamente inferior a sua densidade demográfica, o que, obviamente, inculcaria menor expansão da língua portuguesa, por maiores serem as dificuldades do estabelecimento de contactos c de convivência entre as duas massas da população que ali vive - os portugueses negros e os portugueses brancos.

Como explicar então o fenómeno em Angola?

Creio que a explicação só pode encontrar-se num certo sentido e num especial espírito da presença dos portugueses europeus, em Angola.

O europeu que se deslocou para Angola fixou-se à terra com o propósito de o fazer, quase sempre, definitivamente, adaptando-se ao novo ambiente, integrando as populações que encontrou com elas se amalgamando, de forma a construir uma sociedade nova e repudiando, em obediência aos seus sentimentos de fraternidade e aos ditames de profunda solidariedade entro os homens, a existência de sociedades estanques, compartimentadas c diferenciadas, que separadamente quisessem viver vidas e destinos diferentes.

Como já tive oportunidade de dizer nesta Câmara, os portugueses que, com as descobertas, chegaram a Angola não se quedaram nas suas margens ribeirinhas, mas ames se internaram e espalharam afoitamente pelo sertão imenso. E verdade que levará séculos o plasmar desta sociedade nova, mas é verdade também que os portugueses oriundos da metrópole ofertaram, generosamente e desde sempre, aos seus irmãos oriundos de Angola os primores da sua civilização crista, receberam-nos fraternalmente no seu seio e, em consequência de um permanente R estreito contacto, insuflaram neles a sua própria maneira de ser modelaram-lhes um outro carácter, esculpiram-lhes uma alma semelhante à sua, ensinaram-lhes a sua língua e, com cristianíssimo modo de convivência humana, formaram com eles uma comunidade, que ó portadora dos mesmos anseios, de costumes e de sentimentos idênticos, assim dando fisionomia própria à magnífica sociedade multirracial, que é símbolo esplendoroso de amiga convivência num mundo perturbado e em permanente conflito. A formação e consolidação desta sociedade, porém, só poderá operar-se lentamente e no decurso do tempo, através do sérios sacrifícios e de perturbações penosas, mesmo sangrentas. Mas não será esse o preço da consolidação das verdadeiras pátrias?

Esta em meu entender, a mais séria razão por que em Angola a maioria dos seus habitantes entende a língua portuguesa.

Significará isto, porém, que ali se fala correctamente a nossa língua, se salvaguarda a sua pureza e que, portanto, nada há a fazer?

Certamente que não, e longa será necessariamente, a caminhada que temos de percorrer, mas o trabalho já feito é verdadeiramente ingente, e dá-nos a garantia de que iremos ate ao fim.

Importa, contudo, fazer mais, mais depressa e melhor e acuse encarar novas e adequadas soluções de conjunto, teria, porém, grave injustiça ignorar o colossal esforço que se está a fazer no propósito de expandir cada vez mais o conhecimento da língua-mãe e de promover culturalmente as populações, ao mesmo tempo que se procura elevar o sen nível económico e social.

Por temperamento e também por desconhecimento da correcta utilização das respectivas técnicas sou avesso a anunciações estatísticas, mas não resisto à tentação de assinalar que em Angola frequentam actualmente as escolas de ensino primário elementar mais de 300 000 crianças. Este número que, referido isoladamente, pouco podem significar, tem a sua eloquente expressão se disser