Não.

Respeito, sim por usos e costumes locais, acrescentado pela liberdade de acesso gradual, mas pleno, à cultura portuguesa, enriquecida e valorizada com elementos daqueles usos e costumes.

Diz-se hoje que esses processos já não servem. Fala-se em paternalismo e pretende-se atribuir a escola a missão que antes foi obra de gerações inteiras.

Não sei se neste século de velocidade não estaremos embriagados pelo poder da técnica e não correremos o perigo de nele confiar demasiado.

Poderá "ensinar-se" uma cultura em quatro, seis ou oito anos de escolaridade? (Quando me refiro a cultura, quero dizer maneira de viver, sentido de existência, escala de valores, não soma de conhecimentos ou aprendizado de técnicas).

Por mim, tenho as maiores dúvidas de que a chamada aceleração da história - que é bem real - permita a aculturação acelerada ministrada em cursos, por mais bem estudados que sejam.

E pôr falar de escolas, parece chegado o momento de abordar outro ponto simultaneamente relacionado com a cultura e a língua.

Defendeu o ilustre Deputado avisante o ensino da língua portuguesa no quadro das culturas tradicionais.

Salvo o respeito que devo a quem tão valiosamente suscitou este amplo debate, julgo não ser possível, nem útil, nem conforme aos nossos propósitos últimos, um tal ensino em tal quadro.

O conhecimento da língua portuguesa pelas populações africanas de Moçambique só terá sentido quando e na medida em que essas populações adoptem simultaneamente a cultura portuguesa.

Não julgo que seja possível no actual momento um esforço maior do que o desenvolvido pelo Estado, pelas missões e por muitas pessoas de boa vontade, dentro do contexto da política de desenvolvimento global da província, em prol da difusão da educação popular em Moçambique.

A integração está em curso; pode com segurança dizer-se que a grande maioria dos Moçambicanos adere sem reservas à paz portuguesa mantida pela Administração e defendida pela Nação em armas, respeita a justiça dispensada pêlos tribunais, acorre à assistência médica proporcionada pêlos serviços de saúde, procura o acesso aos conhecimentos e bens da civilização portuguesa.

Que sentido teria, pois, evitar a evolução da sociedade tribal para a nossa sociedade nacional, preservando artificialmente o quadro das culturas tradicionais?

Quase o mesmo, diria, que ensinar a língua aos povos, diminuindo as possibilidades de virem um dia a utilizá-la como sua língua ...

E aqui vou entrar no último e mais delicado dos vários aspectos do problema da difusão da língua portuguesa em Moçambique, que me propus tratar.

Antes, porém, e a fim de evitar equívocos, repetirei mais uma vez a minha inteira concordância com o autor do aviso prévio quanto à aspiração de podermos contribuir para que todos os portugueses venham a falar e entender-se em português.

Ainda se não extinguiram nos nossos ouvidos deliciados os ecos da notável e bela intervenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo, verdadeiro hino à língua portuguesa.

Embora sem voz nem talento para o exprimir, também partilho esse amor pela minha língua-pátria.

Mas não posso deixar de reconhecer que, por muito bela que seja, a língua é um meio é um instrumento de comunicação; não é um fim nem uma garantia.

E em relação a Moçambique, se lhe tem chamado, neste mesmo aviso, "língua veicular".

Nada mais verdadeiro, nada mais apropriado.

Veículo de quê?, pergunto.

Só do bem? Só das obras-primas da nossa literatura? Só da mensagem cristã de amor do próximo? Só da devoção à Pátria e do exemplo dos nossos maiores?

Ou também do erro, do veneno das culturas estrangeiras e estranhas, dos slogans vazios e das propagandas insidiosas?

Infelizmente, a língua, por ser portuguesa, não deixa também de servir para diminuir, atacar ou negar Portugal.

A Mensagem, de Fernando Pessoa, está escrita em português.

Em português escreveu o Padre António Vieira.

Os Lusíadas são a nossa maior glória.

Mas, no Norte de Angola, relatórios de movimentos terroristas, inspirados e comandados por imperialismos estrangeiros, estão redigidos em português.

Todos os dias, na Europa, na Ásia e na África, radinemissores situados em países estrangeiros lançam para o ar mensagens de ódio e de violência ... em português.

A que vem tudo isto, perguntarão VV. Ex.ª

Será que pretendo desaconselhar o ensino do Português, porque pode servir de veículo a ideias contrárias a existência de Portugal como nação presente em quatro continentes?

Do modo nenhum.

O que pretendo é apenas isto: a difusão da língua portuguesa sem difusão simultânea de cultura portuguesa no sou todo não garante, por si, a unidade nacional, não é verdadeiramente útil e só teoricamente permite comunicação entre os vários grupos culturais que compõem a Nação.

Na moção que vier a coroar este útil e oportuno aviso prévio deveria, parece-me, sor claramente sublinhada esta indissolubilidade da cultura o da língua em qualquer programa de difusão a orientar ou empreender.

Este o propósito modesto destas breves palavras.

Talvez me tenha tornado sensível a este problema o conhecimento da existência de muitos goeses que, não sabendo uma palavra de português, resistiram em Bombaim, e mais recentemente em Goa, no Quénia e na Tanzânia, a toda a sorte de pressões, inclusive até ao espancamento, para conservar a qualidade de portugueses e honrar o nome da sua c nossa Pátria.

Não se me poderá levar a mal que me sinta mais fraternalmente unido a esses compatriotas do que aos lusófonos dirigentes c militantes do M. P. L. A., da U. P. A. ou do P. A. I. G. C. V.

Disse o Dr. Manuel Nazaré que procurara ser propositadamente chocante para suscitar interesse pelo tema do aviso.

Aprovo a ideia. E se me permite vou utilizá-la também com o mesmo objectivo, reproduzindo, mais uma vez, bela e expressiva fase da sua intervenção:

Que mais belo investimento de recursos e que mais promissora sementeira de esperanças do que essa de de pôr todo o português a falar português?