clero, mas até no nível da ciência portuguesa, de gloriosas tradições no domínio da investigação teológica, e do próprio ensino universitário, mutilado na integridade que outrora o caracterizou. Com efeito, só a instauração de estudos teológicos na Universidade, orientada segundo métodos rigorosamente científicos, poderá criar ambiente propício ao desenvolvimento de muitas disciplinas. Para exemplo, poderá citar-se o cultivo das línguas orientais, infelizmente tão decaído entre nós, ou da história das instituições eclesiásticas, ou dos estudos patrísticos, ou de tantos outros igualmente necessários a compreensão da própria história da cultura portuguesa. Mesmo os estudos clássicos, desoladoramente abandonados da frequência escolar, quando fossem considerados indispensáveis instrumentos de exegese científica dos textos bíblicos, aí encontrariam novos estímulos de progresso.

Decorridos alguns anos, o Senado da Universidade de Coimbra, em sessão de 27 de Outubro de 1960, "renova com o maior empenho ao Governo da Nação o justo pedido de que a sua Faculdade de Teologia seja urgentemente restaurada", pondo à disposição do Governo "todos os seus recursos para ajudar a estudar e resolver esse inadiável problema da cultura portuguesa".

Á inauguração da Universidade Católica Portuguesa, feliz ocorrência que saudei jubilosamente desta tribuna, em nada afecta o problema, tantas vezes posto, da restauração da Faculdade de Teologia de Coimbra. Reconheceu-o, com a maior autoridade, o cardeal Garrone, prefeito da Sagrada Congregação para o Ensino Católico, organismo da Santa Sé que superintende nas Universidades e outras escolas da Igreja. No ano de 1967, quando, revestido da sua alta competência, esteve presente às cerimónias de abertura da Faculdade de Filosofia de Braga, referiu-se expressamente à oportunidade da restauração da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra.

De facto, no mundo hodierno, a cultura teológica superior continua a encontrar assento não só nas chamadas Universidades Católicas, mas ainda nas Faculdades de Teologia das Universidades laicas. O Anuário Pontifício de 1968 refere 29 Faculdades de Teologia, integradas ou anexas a Universidades do Estado. Existem 10 na Alemanha, 3 na Áustria, 1 na Suíça (Friburgo), outra na França (Estrasburgo), outra em Malta e, até, algumas nos países da Europa de Leste. Ao seu lado, contam-se, igualmente, Faculdades de Teologia protestantes. É todo um imenso labor, na continuidade de uma tradição que em algumas Universidades conta igualmente séculos.

Só Coimbra, que no passado se enobreceu no ensino de mestres como Francisco Soarez, Afonso Prado ou Martinho Ledesma, continua a aguardar que façam justiça àquela Faculdade, que ocupou o primeiro lugar "nas precedências e estimação das disciplinas".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas haverá frequência que justifique, além da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (que principiou a funcionar em Lisboa no dia

4 de Novembro do ano findo), a restauração da desejada Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra?

Tudo permite responder afirmativamente.

Mais: a evolução preconizada em matéria de estudos teológicos conduz mesmo a prever a criação em Portugal de um terceira Faculdade de Teologia, a localizar no Porto ou em Braga (cf., por exemplo, o trabalho de António Leite "Problemática da Universidade Católica", in Brotéria, Janeiro de 1969).

A teologia deixou de constituir matéria de estudo restrita aos sacerdotes ou candidatos ao sacerdócio. Homens e mulheres, leigos ou religiosos, acorrem, na actualidade, aos centros de estudos teológicos, revelando um interesse notável. Mesmo nesta "pequena casa lusitana" a experiência dos últimos anos, relativamente a cursos ou núcleos de estudos desta natureza, é bem mais reconfortante do que o panorama sumariado da moção do Senado Universitário de 1954.

Uma segunda razão a favor do incremento na frequência das Faculdades de Teologia fundamenta-se na orientação, há muito consagrada na Alemanha e hoje generalizada em vários países, de os estudos teológicos deixarem de se realizar nos seminários maiores, passando os seminaristas a frequentar as Universidades.

Possibilita-se, deste modo, uma valorização do nível geral dos estudos teológicos, ao mesmo tempo que se abre um convívio, que todos desejarão salutar, entre sacerdotes, ou aspirantes ao sacerdócio, e os estudantes das outras Faculdades.

A existência entre nós de centros universitários de estudos teológicos permite, finalmente, orientar para a metrópole os seminaristas do ultramar. Até agora tem encontrado a sua formação limitada aos seminários locais ou, para os mais dotados, a um ou outro instituto universitário estrangeiro. E, porém, indiscutível que o convívio de portugueses de todas as etnias nas Universidades portuguesas constitui um são caminho para a consolidação da unidade lusíada.

Quanto a este aspecto, a Universidade de Coimbra tem sempre presente o esforço que, através dos tempos, realizou cm relação à valorização do ultramar e, particularmente, o seu contributo para a formação da grande nação brasileira.

Sr. Presidente: Coimbra, cidade que conta entre 50 000 e 60 000 habitantes, acolhe presentemente, nas suas mais variadas escolas, 25 000 estudantes. Será, talvez, caso único no Mundo de cerca de 50 por cento da população de uma cidade ser constituída por escolares.

Este simples enunciado justifica o fundamento das muitas pretensões de Coimbra em matéria de ensino.

É, porém, indiscutível que, entre estas aspirações, a da restauração da Faculdade de Teologia figura nos primeiros lugares.

Não se trata apenas de um acto de reparação ou de oportuno aproveitamento de disponibilidades existentes, mas de corresponder - como já se escreveu - à exigência, posta pela Universidade, como instituição onde se processa a síntese e a hierarquia dos ramos mais nobres da ciência, dentro de uma visão harmoniosa e unitária do saber humano.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Suspendo a sessão por uns minutos.

Eram 17 horas e 50 minutos.