Este é o meu parecer. E, por este caminho, tentarei seguir, na medida das minhas posses, ao ocupar-me do corpo e da alma da língua.

Sr. Presidente: Ao falar da língua portuguesa, faço-o com respeito, muito respeito, todo o respeito. Com o respeito devido à nossa mãe. Que a língua é mãe espiritual, mas verdadeira mãe. Por ela falada ou escrita, nos chega a vida... do espírito. Se ela se maltrata não fica apenas feia, desfigurara: perde a saúde e transmite-nos as doenças e as taras de que a fizeram portadora.

Desprezar a língua é desrespeitar a nação. Desfeitear a língua é como desacatar a bandeira do país. Porque é a sua bandeira mais alta, mais viva gloriosa e autêntica.

Melhor que os panos e as cores, que a pintura, escultura, arquitectura e a música, que todas as artes juntas a língua representa retrata e identifica um povo ou nação. A língua portuguesa é o painel, painel vivo da Nação Portuguesa terra e gente de aquém e de além-mar sensibilidade e mentalidade, paisagem física e humana situações e aspirações. Na sua fonética, morfologia e sintaxe na sua estrutura e no seu vocabulário, reflecte-se uma psicologia, uma cultura ou mensagem.

É miniatura ou síntese de várias civilizações. Cofre rico e de fundo clássico, onde se fez a integração, no perene núcleo greco-latino de elementos variadíssimos, do Oriente e do Ocidente, antigos e modernos, europeus e americanos, africanos e asiáticos. Todos em convergência de grande poder assimilativo e definidor de uma personalidade colectiva, de feição pluralista, multirracial e universalista. Painel vivo com a cor do sangue... Painel do temperamento e do carácter, da carne e do espírito, dos caminhos metas, tendências e aspirações dos povos lusíadas.

É mais que obra-prima de um génio é o génio vivo de uma comunidade. Como língua viva o português é sangue e alma dinamismo ou movimento, movimento enriquecedor. Que a bola de neve, rolando nos séculos cresça integrando mais neve mas sacudindo as lamas aderentes. Que o enriquecimento não redunde em pobreza, não corrompa, não mate ou degenere em monstro.

Sr. Presidente: Estou a pensar num livro que está nos escaparates da capital. Não tem página sem erros: históricos, ortográficos, fonéticos ou sintácticos. Veja-se esta beleza:

Nas últimas investigações confirmaram essa opinião.

Mas quem? Onde o sujeito? E repare-se nesta concordância:

Na Torre de Hércules vê-se estas gravações.

Na figura vê-se as abóbadas.

A supressão das vírgulas é fenómeno de todas as páginas, se não de todas as linhas. Um caso:

O homem leva nele o instinto de beleza de perfeição de supervivência e é então quando pinta.

Nem uma só vírgula em todo este período!

Não é só a greve das vírgulas. Aquele advérbio "então" é uma nota desafinada. O "super" da... "Supervivência" é hibridismo, denso de confusão. Pode sugerir "vivência" reforçada ou forma superior de vida... como a gasolina super é tipo especial de combustível, mas "sobrevivência", só com boa vontade, aos potes ou toneladas.

Os casos de abolição do verbo ou predicado são mais endémicos. Apenas algumas amostras. Seja a primeira o princípio do volume:

Aprofundarmo-nos na Arte e penetrar na história maravilhosa começando li, no homem primitivo.

Os seixos pintados até hoje escassos dado o clima húmido do Canfábrico.

Ainda outra, embora mais alentada, mas não menos típica:

Na Sé de Lisboa merece também especial menção o precioso presépio de autoria do célebre Machado de Castro século XVIII, como se vê pela data muito posterior e feito sobre base classicista, cria uma cena de nascimento do Senhor com dezenas de figurinhas plenas de movimento expressão e arte com uma cascata de anjos, são barroco excelente, assim, a Sé de Lisboa, templo austero construído numa época austera, é alegrado mais tarde por um sorriso gótico e pelas reparações depois dos tremores de terra.

São cerca de dez linhas, num só período, apenas com seis vírgulas e mal postas! E só mais uma amostra relativa aos arredores da capital:

É famosos o belíssimo castelo mouro de Sintra, edificado no cúspide do penedo e castelo de Óbidos!

Meu apenas o ponto de admiração pela confusão nascida da falta de um artigo e de uma vírgula... Já se não fala de vários erros com desactualizações históricas, como a vinda de S. Tiago à Espanha nem da promoção (ortográfica...) de Condeixa a "Condessa": "Condessa-a-nova". Ninguém duvidará de estarmos em presença de um espelho e de um documento de desordem e anarquia... fonéticos, morfológicas e sintácticas.

Aqui não se vê a língua portuguesa mas algo como articulações de crianças ou de paranóicos numa língua sem verbos. Com benevolência s poderá dizer que aquelas cem páginas são um telegrama larguíssimo, mais comprido que a légua da Póvoa, como se diz em algumas terras. Não é português, nem "brasileiro", nem espanhol, nem mesmo esperando. Parece antes babélico e troglodita. Pois este livro foi editado em Portugal! E estas falas soaram nas aulas de uma universidade se bem que não portuguesa.

Sr. Presidente: Sei que há pior que tudo isto. Pior que um gago é um povo intoxicado. Mais deprimente que uma nação primitiva é um país de tarados e de renegados. Mais perigoso que a embalagem é o elixir, conteúdo ou mensagem. Esta, de que falo, não prima pela exactidão, mas é sadia.

Nem sempre, infelizmente assim acontece. E não se pode estar desatento às drogas ou ingredientes do complexo. A língua é o aparelhos circulatório das ideias. E tanto pode levar a vida como a morte, sangue rico e puro como inçado de toxinas e povoado de vírus. Tanto pode ser veículo da verdade como da mentira, da ordem como da desordem da liberdade como da anarquia.

Da língua escrita se dirá, como Esopo, que é o melhor e o pior da praça... na culinária, como na ideologia.

Sr. Presidente: Acode-me, agora outro livro, também editado na língua-mãe, mas de tipo diferente do do primeiro. Nele não se registam pecados, pelo menos graves, contra a gramática, mas ofensas... e ofensas graves, à verdade, ao senso comum dos homens e às consciências dos portu-