Marchará, no entanto, senhora de si, soberba e altiva?

É problema de todos os tempos e, certamente, de todas as latitudes.

Ontem, e na metrópole, para que ele marchasse como António Ferreira desejava, impunha-se para além do mais mostrar como diria, no século seguinte e por quase idênticas razões. Rodrigues Lobo, que ela não era ... menos que as outras como elas "era branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver o acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura".

Em ambos os casos, um grave problema estava em causa. Embora de mais fútil solução, porque de natureza algo diferente novos problemas se lhe deparariam mais tarde: influências do francês, do italiano, etc. E nunca a língua pátria deixou de andar "soberba e altiva".

Ontem, e no ultramar, impunha-se difundi-la e para aí seguem por ordem de D. Manuel, já em 1504, "muitos mestres de ler e escrever", e em 1512, Afonso de Albuquerque cria uma escola em Cochim, logo com perto de 100 "moços".

Desde então, e sem desfalecimentos, a mesma política tem sido, com sobejas razões, justamente mantida: já há quatrocentos anos João de Barros via que as armas e os padrões portugueses postos em África e Ásia [. . ] pode-os o tempo gastar, mas nada gastará doutrina, costumes, linguagem, que os Portugueses nestas terras deixaram. É sempre "soberba e altiva", a cada passo que dava.

As línguas Pão um organismo vivo, e daí o estarem em constante evolução. Em tais condições, é hoje, como foi ontem, necessário enriquecê-las, ilustrá-las e até difundi-las. Por isso não é a primeira vez que o problema da defesa da língua vem a esta Câmara.

Ilustres oradores se debruçaram já sobre ele, dizendo do melhor caminho para a sua solução. Tal solução continua, todavia, em aberto, em razão do acima exposto e também das dificuldades em que assenta: financeiras, sobretudo.

De qualquer modo, ele não pode ser descurado: é um problema político, é um problema nacional. Por isso, bem fizeram os distintos autores do presente aviso prévio José Alberto de Carvalho e Elísio Pimenta em trazê-lo, de novo, para aqui.

Muito há que fazer neste capítulo da língua, já na metrópole, já no ultramar!

No ultramar não pode o problema ser resolvido de um momento para o outro. Se, como muito bem disse há dias o ilustre Deputado Dr. Henrique Veiga de Macedo - e quem o poderia fazer com melhor conhecimento de causa, se repetimos," na própria metrópole razões de fundo obstaram até há pouco à difusão generalizada do ensino primário, a despeito de a escolaridade obrigatória haver sido decretada vai para mais de um século", que fará no ultramar?!...

As dificuldades de um problema não devem impedir, pelo contrário, que se tente solucioná-lo da melhor forma possível, o que aliás, pensa o mesmo orador ao formular, mais uma vez, o voto de que se vencesse também em Moçambique, de que tratava, a "batalha da instrução", e de que a língua mãe "fosse falada por todos os que nascidos em qualquer parcela do território português, têm de manter o diálogo permanente, construtivo e pacífico da lusitanidade e do espírito cristão".

Com efeito, se a unidade linguística não é factor essencial para a formação de qualquer nação, ela é, no dizer do ilustre catedrático de Coimbra Manuel de Paiva Boléo, factor importante de coesão, tornando-se uma situação bilingue "quase sempre desfavorável à unidade nacional". Mais uma forte razão - política e nacional - para uma batalha sem tréguas neste capítulo.

Urge, assim, difundir a língua para logo a seguir a poder ilustrar aqui, em todo o ultramar e em todas as partes do Mundo em que ela é presentemente falada: grandes ou pequenos núcleos de tantos portugueses um pouco por todo o lado espalhados.

Senhora vá de si, soberba e altiva ... Pois também na metrópole muito há a fazer; também na metrópole muito a língua pátria pode florescer, e muito tem mesmo de florescer, se quiser andar verdadeiramente "soberba e altiva".

Três ou quatro pontos, apenas, e do primeiro, mas os bastantes, ao que cremos, para provar à evidência a necessidade da sua renovação: Estamos no século da oralidade, como correntemente se diz. Apesar de assim ser que ouvimos se prestarmos um pouco de atenção à leitura ou conversa da maior parte das pessoas?

Que nos responda Rebelo Gonçalves:

A verdade, a triste verdade, é que a má leitura nos acompanha pela vida adiante, como se fosse um estigma fatal. Saímos da escola secundária e não sabemos ler; entramos na Universidade, saímos dela e continuamos a não saber ler; encetamos as mais diversas das profissões oficiais ou liberais e ainda a dicção imperfeita, imobilizada sempre no mesmo tipo, fica em contraste desolador com a marcha ascensional da nessa cultura.

E Paiva Boléo confirma isto mesmo ao afirmar, igualmente, que é raro encontrar em Portugal "um aluno, mesmo da Universidade, que saiba fazer uma leitura expressiva, sendo poucos os conferencistas que se preocupam com a arte de dizer".

Ora, se dominar a língua é sinónimo de bem a escrever e bem a falar, que se faz para remediar aquele estado de coisas?

Em teoria, muito nos actuais programas do ensino técnico, talvez pouco ainda nos de liceu. Na prática, pouco, porventura, em ambos. A Fontaine crê que as regras essenciais da gramática cabem na palma da mão. Outros, verdadeiros idólatras daquela, transformam as aulas em intermináveis fastidiosas, estéreis ... sessões de problemas morfológicos, sintácticos, fonéticos.

Optar, também aqui, pelo meio termo? Mas qual é ele? O que é que se deverá pôr de lado - deve haver tanta coisa! -, e no que é que se deverá insistir?

Quando teremos as nossas gramáticas de base? . . . Quando teremos também um dicionário de base?

Qual o vocabulário a ensinar no ultramar, naturalmente aos que vão aprender o Português?

Qual o vocabulário a ensinar a um aluno do 2.° ano? E qual o vocabulário a ensinar a um aluno do 5.°?

O vocábulo que é importante para mim não o é para outrem e vice-versa; e o que é importante para ambos pode carecer por completo de funcionalidade.

Quando teremos os nossos dicionários de base de modo a podermos preocupar-nos. aqui como no mais, apenas com o que é pertinente, prático para os diferentes níveis?