de se pretender que uma pessoa que tire uma fotografia em menino nunca passe de menino.

Defender a língua será, pois, garantir que no mundo da sua sintaxe cada elemento, também em natural convívio com os outros, ocupe bem o seu lugar e desempenhe bem a sua função, respeitando a função dos outros: que o sujeito, qual senhor absoluto e responsável, pratique a acção; que o atributo daquele lhe aponte as qualidades boas ou as qualidades más; que o predicado indique: a acção que o sujeito pratica: que o complemento directo mostre o objecto da acção praticada; que os outros complementos, os chamados circunstanciais, dêem conhecimento das circunstâncias de lugar, de tempo, de modo, de causa em que a acção se realiza.

Defender a língua será, pois, garantir as circunstâncias propícias a todo o convívio dos elementos que a constituem, a toda a sua evolução nos aspectos fonético, sintáctico, morfológico e semântico, sem consentir, todavia, que ela perca as suas características fundamentais, que a tornam diferente das outras c a mantém ao serviço exclusivo da literatura, da história, da vida, do povo, que a usa como veículo natural do seu pensamento.

Vozes: - Muito bem!

ciclo dos liceus; e vêem assim concluído o seu estudo da língua pátria ao terminarem o 2.º ciclo, isto é, aos 15 ou 16 anos de idade, sem terem podido ficar, como é evidente, com um conhecimento adequado da estrutura da nossa língua e sem terem tomado verdadeiro contacto com as belezas da nossa literatura.

Ouve-se então dizer u todo o momento: "Muito mal se fala agora!"; "Muito mal se escreve agora!".

Porque não uma apresentação mais demorada e mais cuidada da língua pátria nos alunos do ensino primário?

Porque não uma hora diária de Português para os alunos do ciclo preparatório?

Porque não umas quatro horas semanais de Português e umas três horas de Latim para os alunos do 2.° ciclo?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque não umas quatro horas de Português para todos os alunos do 8.° ciclo dos liceus?

Porque não rever os métodos do ensino do Português, de modo a levar os alunos ao uso rigoroso da língua pátria, quer falando-a, quer escrevendo-a?

Outra circunstância que põe em perigo a pureza da nossa língua é a desordem da época cm que vivemos, cheia de "modernices", cheia de exageros no sentido do irregular, do inesperado, do sensacional.

Que havemos de dizer de tanta música moderna que perturba o sossego e parece enlouquecer os que a escutam?

Que comentários merece a dança sacudida, monótona e desordenada do nosso tempo?

Que pensar de certa pintura moderna que muitas vezes ninguém entende, até porque não faz diferença que o quadro esteja de cabeça para baixo ou do cabeça para cima?

Que dizer do vestuário de rapazes c raparigas, que fora da regra quase geral da mini-saia, não obedece a qualquer outra regra ou padrão, notando-se mesmo clara predilecção pelo deselegante e pelo ordinário?

Que dizer de tantas outras manifestações da vida dos nossos dias em que não se segue qualquer linha do rumo e se procede dentro da mais perfeita desorientação?

Pois o modo de falar e o modo de escrever, isto é, o uso da língua como veículo do pensamento passa pelos mesmas vicissitudes e está sujeito à mesma desordem: assim como se toca de qualquer modo; assim como se dança de qualquer modo: assim como se veste do qualquer modo. assim como se pinta de qualquer modo, também, necessariamente, se fala e se escreve de qualquer modo.

E quem sabe? Nestes tempos cm que toda, estas coisas andam fora da regra, talvez até destoasse o uso regrado da linguagem falada e da linguagem escrita.

Uma terceira circunstancia que contraria a pureza da língua é a predilecção pela "estrangeirice". Damos preferência aos produtos de rótulo estrangeiro, sem notarmos, muitas vezes, que são mesmo fabricados cá: bebemos whisky; vestimos tweed, tratado com scotchgard; vamos à soirée, de preferência à matinée; visitamos o nosso amigo no seu atelier; consentimos quês a nossa criada vá fazer week-end em Cascais ou no Estoril; exercemos a nossa profissão, quando somos felizes em regime de full-time e quando somos infelizes em regime de full-time; baptizamos os nosso filhos de Nelsons, Hernánis e Macdonaldos, e as nossas filhas de Arlettes, Lisettes e Bernardettes. E tudo isto sucede sem qualquer necessidade, porque a língua portuguesa, graças a Deus, é suficientemente rica para resolver estes e outros casos som ter de pedir nada emprestado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não será possível impedir os Macdonaldos e as Arlettes? Os tweeds e os week-end? O half-time e o full-time? Não será possível determinar que o Liceu Rainha Santa Isabel passe a ser o Liceu da Rainha Santa Isabel? Que a Avenida Infante Santo passe a ser a Avenida do Infante Santo? Que o Madalena Ténis Club passe a ser o Clube de Ténis da Madalena? E que a Faro Editora passe a ser a Editora de Faro?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Talvez a solução deste problema possa entregar-se nas mãos dos conservadores do registo civil, dos notários, das câmaras municipais; nas mãos dos responsáveis pela imprensa, pela rádio, pela televisão.

E porque não a criação de um Instituto Nacional de Defesa e Difusão da Língua Portuguesa, aliás já oportunamente sugerido pelo ilustre Deputado Dr. Leonardo Coimbra?

A não se tomarem providências que impeçam que continue a verificar-se a falta de atenção e de respeito pela