Mas hoje - hoje é pior.

Há muita pressa na pressa.

E não só o redigir a falar e correr. Não são unicamente as concessões no que é moderno, ainda que o moderno seja feio ou de mau gosto ou chocantemente estranho. Nem mesmo a técnica e a sua alargada de termos ganhem a maior ou a absoluta relevância nesta balbúrdia de letras em que temos de erguer voz firme e dominante.

Estamos a ser vítimas de uma literatura de onfensiva contra tudo o que é virtuosamente nosso.. Não é só a língua - a pureza da língua - que está em causa.

É ela com os padrões da nossa cultura.

Estão a servir-se do português como um instrumento de guerra. Usam-no do modo que lhes convém para melhor atingirem o modo que pretendem. Quer dizer a lingua é deturpada para melhor deturpar e é envenenada para melhor envenenar.

Vozes: - Muito bem!

O orador : - Os maus livros são como as víboras.

Quanto mais agasalhados no peito mais mordem. E eles já são tantos os maus livros aninhados, que não me admiro de serem muitas inteligências mordidas.

Porque não é só a tradução péssima e conspurcadora, também é a tradução de índole e marca subversivas.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - Por acaso as piores revoluções não se devem aos piores livros?

Não é tarefa fácil esta de defender a língua portuguesa feição e no seu português destino. Até se podem criar - e é forçoso que se criem - no ,mais curto espaço de tempo, os organismos para o efeito. O que não se cria de um instante para o outro é o escol dos paladinos dispostos à acção sem tréguas.

Aqueles apóstolos de cultura, vontade e inteligência que toda a hora e em todo o lugar ,sejam quais forem os opositores e sejam quais forem as circunstâncias requeiram e sustentem para a língua de Portugal a soberania a que ela tem direito.

Não é trabalho para ser executado por alguns: é obra para ser realizada amorosamente por muitos.

Todos os que governam, todos os que ensinam, todos os que educam, todos os que trabalham nos sectores da informação - da informação que irrompe pela nossa casa a todo o momentos - os escritores, os jornalistas, os homens cultos, designadamente esses todos, tem de ser combatentes de tal combate com a diária preocupação da vitória.

Poderá objecta-se que a língua portuguesa não é fácil. Leite de Vasconcelos, ao queixar-se de que ela se encontrava em grave crise, observava que os escritores se esquecem de ordinário que escrever para o público é uma arte que precisa de aprendizagem.

Mas eu digo que o estudo da língua portuguesa é apaixonante e que não cesso de a aprender, pois quanto mais difícil a vejo mais bela a encontro.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - Talvez pelo constante fascínio, talvez por isso, o seu mérito de perpetuidade exceda a própria perpetuidade.

Essa águia da oratória que foi António Cândido, num dos seus voos de altura a propósito do 4,º centenário do descobrimento do Brasil imaginou que se um dia por fatalidade acabássemos se - figurando a hipótese extrema - uma terrível catástrofe, geológica submergisse esta parte do continente europeu, onde nasceu e donde partiu em épica aventura, o povo mais audaz e valente para iluminar os caminhos do mar, para descortinar as constelações do céu, para dar extensões à terra civilizações à história e almas a Deus lá ficariam no Brasil, para sempre, o seu sangue, a sua alma e a sua língua...

Pois eu atrevo-me a dizer que se o Mundo chegar ao nada, como se profetiza que chegará e com ele se sumirem os documentos e os ecos da nossa língua e ela já não puder ser dúctil nem formosa, nem servir para exaltar a Pátria , a Fé e o heroísmos e não puder já embriagar-se com o perfume de uma flor nem embeber-se na curva de uma asa, nem descrever a dor nem a esperança, nem alegria - quando ela por se apagar na terra não puder exprimir nada disso ou seja o que for de tudo isso nem responder a estes versos de rima ardorosa:

Amo o seu eiço agreste e o teu aroma

De cirgena aclaras e de oceano largo!

Amo-te ó rude e doloroso idioma. então, se o Mundo acabar ficam ainda na abóbada do céu as ressonâncias de um António Vieira e na cintilação das estrelas e na própria labareda do Sol as estrofes heróicas de um Camões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: Vai passado quase meio século tive a honra de ser em nome da federação Académica de Lisboa o Redactor de uma mensagem de louvor e agradecimento ao ministro brasileiro Dr. Octávio Mangabeira por ter imposto o uso da língua portuguesa nas reuniões e conferências internacionais.

Há um quarto de século tive ensejo de subir a esta tribuna para enaltecer o valor da Convenção Ortográfica luso-brasileira e aqui propus então a criação de um organismo que se destinasse à defesa e expansão da língua portuguesa no Mundo: Depois disso interferi com iguais intenções nos avisos prévios dos Srs. Deputados Vaz Pires, sobre o ensino liceal e Manuel Nazaré, sobre a expansão da língua portuguesa no ultramar.

Isto se relembra para dizer que venho de longos tempos - e nesta Casa pela quarta vez - terçando armas por uma dama a que já chamei "alma da Nação" e que considero ser o fundamento primeiro do bem comum.

E se não fora um dever de companheirismo e um sentimento de gratidão aos Srs. Deputados Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho que quiseram neste aviso prévio aceitar e tornar seus alguns conceitos e propósitos insertos nas minhas anteriores intervenções, agora havia de calar-se a minha voz tão inúteis foram até agora os seus ecos e tanto me convenci de que se o pilriteiro é porque na verdade ele não era capaz de dar coisa melhor. E no entanto bem vistas as coisas aqui existem nos anais desta Casa, sumidos de pó dos arquivos depoimentos de alto mérito testemunhos da preocupação espiritual desta Assembleia por tudo quanto importa e respeita ao significado transcendente e ao prestígio vital da língua portuguesa que é ela sem sombra de dúvida o esteio mais forte da universalização da cultura lusíada.

Vamos próximos do termo do nosso mandato aqui fomos muitas vezes pragmáticos e materialistas ao triste.