O parecer da Câmara Corporativa, muito completo, aliás, em relação à limitada matéria da proposta governamental, não aceita a totalidade do seu conteúdo.

Sugere, quanto ao artigo 646.° do Código de Processo Penal, a não eliminação da capacidade de recurso sempre que o acórdão seja condenatório. Justifica, que a "limitação do recorrer constante da proposta em apreciação pode trazer para o réu sérios prejuízos, sobretudo quando o crime, pelo seu carácter infamante, possa afectar gravemente a sua vida profissional".

Tem razão a Câmara Corporativa.

Mas este ponto, embora seja um progresso em relação à proposta, vem também consagrar um princípio doutrinal perigoso: o impedimento ao direito de recorrer.

Creio que tudo o que conduza a uma limitação do direito de defesa, tudo o que represente cercear a demanda de justiça, tudo o que iniba alguém de se fazer ouvir para que lhe seja concedida razão, é grave ofensa, atentatória dos direitos, humanos.

O direito d o recorrer é apanágio da personalidade humana.

A redução dos casos recorríveis em nada valoriza a justiça. É preciso ter presente que em matéria de honra, de liberdade e de fazenda não há questões mais ou menos importantes: todas são igualmente importantes.

Por isso sou dos que concordam com o alargamento do direito ao recurso para as instâncias superiores e daí não poder aceitar quaisquer sistemas que consagrem redução em matéria tão melindrosa.

Um outro ponto pretendo referir, pois suponho merecer meditação.

O parecer da Câmara Corporativa está eivado de uma opinião manifestamente errada - produto de quem conhece perfeitamente a administração da justiça, mas a conhece de um curto ângulo, que, embora elevado, não abarca a exacta dimensão da realidade.

Na verdade, aponta-se no parecer, como causa da morosidade judicial, "a reprovável tenacidade das partes ... na defesa das suas posições". Comenta o parecer: "as partes frequentemente não colaboram com a ju stiça; pretendem atingir certa finalidade, alcançar determinado resultado, e não hesitam, para tal, em recorrer a todos os meios, requerendo, reclamando, recorrendo, recorrendo sempre até ao Supremo Tribunal de Justiça, e, quando o fazem, logo com a mira de irem até ao tribunal pleno! Se as partes são poderosas, ou uma delas, então é quase certo que assim acontece".

Mais além mas ainda dentro da mesma opinião, adverte e sentencia o parecer da Câmara Corporativa: "por mais cuidado que haja em simplificar os termos do processo e em fechar as portas às "habilidades" das partes ...".

O que venho de transcrever filia-se no esquema intelectual de quem conhece a justiça pela prismática do julgador.

Não acho nada de censurável em chegar um processo ao tribunal pleno, como também não é chocante constatar sentenças contraditórias, até na mesma instância.

Em processo-crime, se o acórdão é absolutório, o réu exultará por lhe ter sido feita justiça, e só lamentará as vezes e serem mais ou menos solicitados com afazeres próprios da sua finalidade, ou objectivo apresenta-se a meu ver como não essencial, direi mesmo acidental para a função, e de fácil remédio.

O que a seriedade exige da justiça é que julgue bem e, se possível, com celeridade. Não se lhe pede simplesmente rapidez, quantas vezes incompatível com a reflexão.

Vozes: - Muito bem!

termos em que n parecer da Câmara Corporativa se refere as partes em juízo necessariamente implica uma censura concreta à actuação dos seus mandatários: advogados e jurisconsultos.

É isto que, com toda a veemência, rejeito!

Ninguém ignora, que o advogado, na instrução do processo, não está presente; que o advogado não assiste, às inquirições das testemunhas, não colabora na produção da prova, não acompanha o interrogatório do réu, não pode consultar o processo, que permanece em fase secreta até à, pronúncia ...

Assim, sob o peso deste condicionalismo, não constituirá surpresa recorrer-se do despacho de pronúncia, como ninguém se pode admirar de ver requerida a instrução contraditória, como será normal requerer-se reinquirição de testemunhas.

Será entravar a acção da justiça um requerimento para esclarecer situações, para sugerir diligências tendentes ao apuramento dos factos e das responsabilidades?

Será não colaborar com a justiça recorrer a um tribunal superior para que tome conhecimento e se pronuncie?

Não são "habilidades". São direitos que a lei confere às parte, e a faculdade de os usar depende exclusivamente da sua vontade.