O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jerónimo Jorge.

O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: No intervalo entre esta e a última sessão passou o primeiro centenário do nascimento do almirante Gago Coutinho, marinheiro ilustre, geógrafo erudito com assinalados serviços prestados ao País e glorioso pioneiro das grandes rotas aéreas, que soube aliar ao rigor científico o mais admirável destemor. A travessia do Atlântico Sul, feita por Gago Coutinho e Sacadura Cabral num minúsculo e frágil hidroavião, que foi pousar em águas de Santa Cruz, fez pulsar no mesmo ritmo os corações de portuguesas e brasileiros, que se sentiram então irmanados mais do que nunca na consciência viva de que as duas Pátrias tinham as mesmas raízes e as glórias de uma eram as glórias da outra.

O Governo Português, interpretando o sentimento nacional, resolveu comemorar este centenário e a essa comemoração se associou entusiasticamente o Governo Brasileiro, mandando para o efeito expressamente ao Tejo uma destaca da força naval, a que não faltou, simbolicamente, um porta-aviões.

Não vou recordar aqui, porque são de todos conhecidos, os diferentes actos da celebração de tão grande data.

Mas a minha sensibilidade de marinheiro e de piloto aviador naval não me consente que cale o meu vibrante aplauso, como deputado, às justas homenagens prestadas à memória de tão grande português. Estou certo de que ele encontrará nesta casa a melhor compreensão, pois nela, e por mais de uma vez, se patenteou a gratidão nacional devida a quem, pela sua estatura moral e intelectual e pelos seus altíssimos feitos ao serviço da grei, emparceira entre os maiores vultos da história de Portugal.

Apenas recordarei a patriótica e nobilíssima atitude desta Assembleia ao aprovar por unanimidade, em 14 de Fevereiro de 1958, a moção na qual se exprimia o voto de que ascendesse ao posto de almirante, o mais alto da hierarquia da Armada, o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho.

E tão eloquente se apresenta, na sua condensada redacção, o histórico documento que não resisto a reproduzir as suas palavras:

A Assembleia Nacional, considerando que vão ser iniciadas as comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, com o fim de celebrar os fastos do período mais fecundo da nossa história, durante o qual foram lançados os fundamentos da expansão portuguesa no mundo;

E não podendo deixar de ter presentes os altos serviços que à Nação Portuguesa prestou e continua a prestar o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, como marinheiro ilustre, navegador que deu glória à aviação portuguesa, geógrafo de incomparável acção no Ultramar, historiador incansável e erudito e patriota estreme:

Rende ao excelso português preito da sua veneração, como o mais qualificado representante, na actualidade, das gerações de descobridores e cientistas que fizeram a grandeza de Portugal na sua missão civilizadora e humanitária, iniciada na era henriquina.

E exprime o voto de que o Governo distinga tão ínclito marinheiro-aviador português promovendo-o ao posto de almirante.

Honrando a excelsa figura de Gago Coutinho, a Assembleia e o Governo dignificaram-se e, mais uma vez, interpretaram o sentimento nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Nação alegrou-se com a justiça prestada a esse distinto marinheiro, que sabia conjugar uma comprovada inteligência, dignidade e saber com uma simplicidade, uma lhaneza de vida e de atitudes que o tornavam imensamente querido e popular entre os seus concidadãos de todas as categorias.

Sr. Presidente: Cerca de um ano depois, o nome do almirante Gago Coutinho desapareceu dos quadros da Armada e do rol dos vivos, mas, apesar disso, ele continua a viver na memória dos bons portugueses. Tanto assim é que Portugal está celebrando o centenário do nascimento do ínclito marinheiro e homem de ciência que à Pátria dedicou uma vida inteira de esgotante labor.

Poucos são aqueles que, ainda em vida, vêem consagrados os seus feitos para além de efémeras manifestações de popularidade. Muitos, passados os primeiros entusiasmos, entram na numerosa fileira dos esquecidos e alguns até sofrem ingratidões.

Afonso de Albuquerque e D. Francisco de Almeida, redivivos, algo poderiam dizer sobre o assunto.

O almirante Gago Coutinho teve a bem merecida estrela de ficar imune a tão triste destino. Fizeram-lhe entusiástica justiça em vida e, após a sua não afastada morte, a Nação, reconhecida, comemora o centenário do seu nascimento.

Ditosa Pátria, que tal filho teve e bendita Pátria que lhe soube fazer justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A excepcional craveira mental de Gago Coutinho manifestou-se invulgarmente multiforme e sempre no mais elevado nível. Marinheiro, geógrafo, aviador, historiador, em todos estes ramos ascendeu a posições cimeiras que poucos alcançaram.

Como marinheiro, por muitos anos cruzou todos os mares, quer em clássicos veleiros, quer nas naves de locomoção a vapor. Oficial de guarnição da famosa galera Pêro de Alenquer, das corvetas Mindelo, Afonso de Albuquerque, Rainha de Portugal e de outras unidades navais, evidenciou-se sempre pelo seu amor ao estudo e pela sua dedicação ao serviço. Nas prolongadas estações navais das províncias ultramarinas, sofreu o fascínio da África com tal intensidade que a ela voltaria, irresistivelmente atraído, para lhe desvendar os sertões.

O seu primeiro contacto com o Brasil, esse Brasil grandioso que tanto o apaixonaria e tanta admiração lhe viria a tributar, deu-se quando o Governo Português enviou ao Rio de Janeiro as corvetas Mindelo e Afonso de Albuquerque.

Em Angola comandou a lancha-canhoneira Loge, na Índia a canhoneira Sado e em Timor, quando da revolta do gentio, a Pátria.

Na sua paixão pelo mar deixou-se seduzir pela magia da navegação quinhentista e o sábio em que já se transformara passou a usar nos longos cruzeiros o astrolábio, à semelhança dos pilotos lusitanos da rota das índias. Tal sedução acompanhou-o sempre, mesmo até aos 75 anos, quando fez à vela a viagem de Santos a Lisboa, a bordo da barca mercante Foz do Douro, viagem que se arrastou por 105 dias.

Sr. Presidente: Como geógrafo, a obra de Gago Coutinho é simplesmente excepcional.