descendente também o viesse trazer àquele local de desgraça, pois bem podia acontecer que esse descendente não fosse tão magnânimo!

Impressionado e chocado com a lição dessa desusada solidariedade, o poderoso senhor reviu a sua atitude e reconduziu ao lar o seu velho pai, tendo abolido de pronto o hediondo costume.

Dessa velha história, que se ouvia sempre com o mais vivo recolhimento e a mais sentida emoção, se tirava, no final, o ensinamento de que era dever imperioso respeitar a velhice e não fazer aos outros o que não gostaríamos que a nós próprios fosse feito.

Gravou-se-me profundamente na alma essa lição comovente, que me recorda o conceito de que tudo quanto fizermos por aqueles que já atingiram na vida os estádios da terceira idade o poderemos estar a fazer por nós próprios.

A meditação bem amadurecida desta tão conceituosa verdade fará ter na devida conta, certamente, os problemas dos velhos, em que pouco atentam aqueles que se sentem ainda na pujança da vida.

Ao despertar as consciências mais ou menos acomodadas ao condicionalismo morno do presente, o Sr. Deputado Agostinho Cardoso e os outros Srs. Deputados que me antecederam nesta tribuna, secundando-o, prestaram um dos mais relevantes serviços aos nobres primados da caridade cristã e da justiça social que ela suscita.

Por natural vocação, sempre me tenho encontrado ao lado dos humildes.

Assim, tem-me sido dado perscrutar até que ponto de uma escala de valores sobe, muitas vezes, o conjunto das suas inibições e dos seus sofrimentos grandemente aumentados quando se trata de velhice desamparada.

Criaturas de Deus, os que formam a grande legião dessa infeliz classe são efectivamente ainda mais sacrificados do que as aves do céu ou as raposas do monte, na sugestiva figura do dramático apelo do Sr. Deputado Nunes Barata!

Na verdade, enquanto os braços tiveram poder para surribar a leira ou para arrancarem à terra o provento alheio de que se extraía a própria manutenção, sempre esta se foi adquirindo, melhor ou pior, mas sem as grandes inclemências e minguas da falta de rendimento. Todavia, quando os braços penderam inertes e cansados e deixaram de ser alavancas de trabalho, então essas grandes minguas tornaram-se no pão negro de cada dia, amassado com o sal do pranto que o isolamento mais aumentou.

Cessada no fim da vida a possibilidade de, pelo trabalho, se angariarem os meios de subsistência mesmo modesta ou até modestíssima, só os que podem contar com os auxílios de uma reforma têm alguma garantia de não perecerem à fome.

Ora, nem todos os portugueses que dedicaram a sua vida à criação da riqueza da Nação têm a garantia, mesmo precária, de uma reforma, pois raros são os da classe média que a possuem e os trabalhadores rurais ainda a não têm.

Por outro lado, no seu actual condicionalismo, essa reforma, porque tem apenas a duração da vida efémera dos que a ganharam e a possuem, também não dá as garantias de segurança social que se tornavam necessárias.

Daqui que os espectros da incerteza e da carência acompanhem de perto e dominem inteiramente o último quartel da vida dos idosos mais humildes.

Desprovidos de rendimentos, resta a muitos dos que atingiram a terceira idade, em qualquer dos sectores da vida nacional, o recurso à assistência pública ou à misericórdia da caridade privada. É que os que nunca foram mendigos, e não têm, por isso, a psicologia de esmolar, só por essas fórmulas de socorro conseguirão evadir-se à tragédia de perecerem à míngua.

Se recorrem à assistência pública, terão certamente abertas as portas de um asilo, como igualmente se abriram para muitos dos seus irmãos de infortúnio. Todavia, o ingresso nessas instituições tem um preço bastante elevado, que não se torna muito fácil pagar pelos necessitados.

Havidos normalmente mais como depósitos das inutilidades humanas que é imperioso arrumar do que como lares destinados às necessidades das criaturas no fim da vida que os procuram, aos asilos falta o toque humano e compreensivo de que tanto carecem os que têm necessidade de neles se albergarem. Por isso, ali se arrumam os sexos separados e se submetem os seus frequentadores a disciplina quase castrense, que, no fim da vida, não parece muito tolerável.

Depois, os asilados ficam completamente fora do ambiente em que se personalizaram e que constituiu, afinal, aquele que melhor servia as suas tendências e costumes.

Ao cabo e ao resto, o asilo, na sua actual condição e funcionamento, é - como bem o define o Sr. Deputado Agostinho Cardoso - um elemento terrível de segregação social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E segrega o indivíduo não só do meio, como disse, mas, o que é muitíssimo pior, da própria família, produzindo não raramente a separação de cônjuges, que tinham o irrecusável direito de, no fim da vida, encontrarem o afecto e o carinho que se lhes denega drasticamente sob a hipócrita afirmação de lhes prestar socorro.

Este sistema, tão vulgarizado, de separar sem rebuço os cônjuges velhinhos representa uma das mais graves e mais trágicas invenções da nossa era. Atentou nele o Sr. Deputado Agostinho Cardoso, que muito justamente proclama «que a luta contra o asilo de velhos onde se separa o marido da mulher tem de inscrever-se no primeiro plano das reivindicações sociais do nosso tempo».

Pode ser, e no geral é, uma crueldade inqualificável quebrar abruptamente os laços de afecto, de compreensão e de entreajuda que a longa duração de um matrimónio fez nascer e cimentou para saldar a falta de recursos de um lar. Mas a indiferença do. actual sistema perante tal barbaridade, além de chocante, representa um grande pecado contra a essência do próprio matrimónio. Impõe-se, por isso, e com a maior celeridade, banir dos nossos processos assistenciais semelhante procedimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No meu pequeno concelho de Vila Nova de Poiares criou a Irmandade de Nossa Senhora das Necessidades, que é a entidade que, havida como Misericórdia, tem especialmente a seu cargo os esquemas de socorro aos necessitados, uma obra a todos os títulos meritória, que me parece oportuno evidenciar pelo que representa de progresso para uma condigna solução de apropriado socorro dos casais de velhos que se incapacitaram e não têm recursos para a sua manutenção.

Possuindo essa Irmandade um hospital onde congrega a sua obra assistencial, anexou-lhe algumas casas que,