Nessas declarações, que conheci pelos jornais, refere-se que o pessoal da Inspecção-Geral das Actividades Económicas iria exercer uma vigilância rigorosa sobre todas as actividades económicas, com objectivos diversos, entre os quais o de «reprimir, inexoràvelmente, todas e quaisquer elevações de preços descabidas ou processadas de má fé».
Acentua-se mais adiante ainda que «certo número de brigadas iria prestar especial atenção à formação de preços de artigos ou produtos não tabelados, de forma a não permitir percentagens que excedam os limites razoáveis».
Noutro passo das declarações, transcritas por um jornal, li ainda que, «no tocante ao comércio retalhista, se obrigará a cumprir as percentagens de lucro legal, mais a de encargos gerais, esta nos termos da lei, sempre passível de ser ilidida pelo comerciante mediante prova conveniente a submeter ao prudente arbítrio do julgador».
Ainda pela imprensa tomei conhecimento de que as brigadas iniciaram logo a sua acção fiscalizadora e repressiva e instauraram, em cerca de duas semanas, 564 processos, sendo 202 por especulação, 83 por comércio irregular, 257 por falta de afixação de preços, 1 por matança clandestina, 14 por existência para venda de produtos impróprios para consumo e 7 por faltas de higiene, abrangendo um numerosíssimo sector de actividades, desde o pão, a batata, os ovos, o peixe e a carne, às mercearias, salsicharias, supermercados e hotéis, desde o material escolar e de escritório aos electro-domésticos e à óptica, desde as linhas e os botões aos tecidos, vestuário e calçado, etc.
Detive-me algum tempo a ponderar esta iniciativa, a forma como me pareceu estar sendo executada, a sua necessidade e oportunidade, a diversidade de sectores abrangidos, a variedade de tipos de estabelecimentos comerciais existentes em determinados sectores, a sua implicação em alguns circuitos económicos e o regime legal vigente.
Pude, entretanto, conhecer a posição do comércio e de alguns responsáveis pela orientação do sector, quer através de declarações publicas, quer por troca de impressões pessoais.
Pude, sobretudo, sentir a angústia da maioria dos comerciantes, que ficaram perplexos perante a invocação de um decreto-lei que alguns ainda ignoravam e outros já tinham esquecido.
Fiquei também preocupado com a imprecisão de algumas expressões usadas, tais como «elevações de preços descabidas» e «percentagens que excedem limites razoáveis».
Por outro lado, também sentia que era necessário fazer alguma coisa pira «sustar a corrente altista que se tem verificado ùltimamente», o que foi comunicado ao País pela palavra esclarecida e respeitada de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, na notável palestra que proferiu em 9 de Janeiro último aos microfones da rádio e da televisão.
Haverá casos em que a produção não acompanha as tendências do consumo, criando-se assim um ambiente propício a uma subida de preços, que pode ser aproveitada p elos oportunistas ansiosos de obterem lucros provenientes da anormalidade de qualquer situação, enquanto se não restabelece o equilíbrio entre a oferta e a procura.
Também todos estaremos certamente de acordo quando se procura reprimir crimes contra a saúde pública, ou a comercialização de produtos sem as características legais, ou a fraude nos pesos líquidos, ou, mesmo, a existência de intermediários ilegítimos, quando se demonstre que o sejam.
A Inspecção-Geral das Actividades Económicas pode e deve exercer, nestes casos, uma profunda e extensa acção, e terá certamente um aplauso verdadeiramente nacional.
Mas este mesmo decreto-lei define o crime de especulação no seu artigo 24.º e nos seguintes termos:
Constitui crime de especulação a venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta de tabelamento, com margem de lucro líquido superior a 10 por cento nas vendas por grosso e de 15 por cento nas vendas a retalho.
É tido como lucro líquido para o comerciante aquele que se obtiver depois de abatidos o preço da aquisição, ou o de reposição, quando for superior àquele em mais de 10 por cento, o custo do transporte e quaisquer outros encargos proporcionalmente inerentes ao comércio dos artigos vendidos. Estes encargos serão fixados segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá para o efeito à natureza e às circunstâncias especiais do comércio do arguido, presumindo-se que não excedem, na falta de outro critério especialmente fixado pelo Governo, 7 por cento da soma do preço de aquisição ou de reposição e do custo do transporte.
Este artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 41 204, que acabo de ler, constitui o fundamento legal da actuação em curso dos fiscais da Inspecção-Geral das Actividades Económicas; e porque algumas disposições nele contidas, quando não respeitadas, implicam sanções graves, que incluem multas e penas de prisão, torna-se necessário ponderar devidamente se essas disposições se podem considerar actualizadas e se elas se poderão aplicar genèricamente a todos os sectores comerciais e aos diferentes tipos de estabelecimentos abrangidos ou se, ao contrário, tais disposições não são passíveis de uma aplicação genérica e carecem, assim, de revisão.
Não deve deixar de referir-se em primeiro lugar a circunstância de esta regulamentação legal, datada de 1957, não ter tido uma aplicação generalizada, quanto à caracterização de crimes de especulação, durante os doze anos já quase decorridos, o que certamente resultou da impossibilidade, logo verificada após a sua publicação, de conter reposição, e do custo do transporte.
Mas pergunto:
Como podem conter-se em 7 por cento sobre a base referida os encargos de muitos armazenistas, por exemplo, que só em comissões e despesas de venda são obrigados a