tência naval que realizou o prestígio dos Descobrimentos, estávamos reduzidos, no começo da segunda metade do século XIX, à ultima e bem deprimente expressão: não possuíamos um único veleiro sequer na carreira regular para o ultramar português! E foi, para justa ufania desta Casa, um parlamentar, o visconde de Castelões, quem, na sessão de 13 de Janeiro de 1851, propôs, para isso, a aquisição de dois navios de 1200 t, aquisição que a anemia do erário público malogrou, tornando-a impossível.

A proposta não foi, porém, má semente lançada à terra. De algum modo terá sido considerada: um navio de guerra foi duas vezes ao ultramar com um intervalo de três meses ... E a semente germinaria dois anos mais tarde na fundação da Companhia Luso-Brasileira; na tentativa, em 1854, da que seria a Companhia Real Portuguesa de Navegação; e na Companhia União Mercantil, que veio a falir estrondosamente.

Há cem anos exactos (1868) a situação era do género de se sujeitar o Estado à vergonha de ter de pagar onerosos subsídios a armadores britânicos para uma viagem mensal entre Lisboa e os portos de Angola! Mas foi nesse mesmo ano de 1868 que em tal domínio, decerto sob o acicate de tão desairosa e triste queda, se iniciou, com o estabelecimento da Empresa Lusitana e, mais tarde, da Insulana, a marcha firme até à fundação, em 1881, da Empresa Nacional de Navegação (actual Companhia Nacional de Navegação) e a marcha até aos nossos dias, apesar do fracasso, em 1892, da Mala Real Portuguesa, fundada quatro anos antes.

Ao iniciar-se o presente século já Portugal dispunha de uma pequena marinha mercante - 46 navios, com 57 mil toneladas. Pouquíssimo, decerto, tão pouco que nos não libertava, dez ou quinze anos depois, de ter de enviar tropas para o ultramar em navios estrangeiros 1 Mas alguma coisa era para quem, cinquenta anos antes, se encontrava no zero absoluto. E com a requisição e depois apresamento dos 72 navios alemães, com um quarto de milhão de toneladas, que se encontravam em portos nacionais quando a Alemanha Imperial nos declarou guerra, houve ocasião única de constituirmos definitivamente uma frota mercante capaz de resistir às nossas crises cíclicas, pelas suas possibilidades de renovação permanente com os seus próprios resultados.

Mas o que sucedeu então veio a ser, de facto, bem amarga, se não trágica, desilusão. Sob o império da desorientação, da desordem política do tempo e da irresponsabilidade consequente, a empresa denominada Transportes Marítimos do Estado deu, na sua acção, provas do que foi, na verdade, um formidável caos, no qual tudo se afundou vergonhosamente, no desastre perecendo a própria frota - cujos restos foram vendidos em hasta pública -, a frota que poderia ser o início da renovação da nossa marinha mercante e a relativa compensação material da nossa intervenção na guerra.

Assim chegámos a 1926, através de muitas vicissitudes, que todos conhecem. Entretanto fundara-se em 1919 a contra-almirante Américo Tomás.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Não tomarei o precioso tempo desta Assembleia a expor o que significa para a Nação uma frota mercante suficiente e eficiente, capaz de a servir como se impõe na sua vida económica e no seu desenvolvimento e, sobretudo, capaz de lhe assegurar o transporte dos meios logísticos e de sobrevivência em eventualidades que seria criminoso deixarmos de prever.

Isso ficou dito de forma lapidar, por vezes com ressonâncias do bronze, nos célebres Despachos n.º 100, de 1945, e n.º 50, de 1955, pelo antigo Ministro da Marinha Sr. Almirante Américo Tomás; também em vários despachos do seu sucessor naquele alto cargo, Sr. Almirante Quintanilha Mendonça Dias, e ainda, nesta Câmara, em sucessivas intervenções, plenas de ensinamentos, do Sr. Almirante Jerónimo Jorge. E afigura-se-me de toda a justiça não omitir nestes apontamentos a batalha há longos anos travada pelo Sr. Deputado Almirante Henrique Tenreiro em prol das pescas nacionais e seu armamento e, no âmbito e tribuna de que dispõe, pelo economista e antigo capitão da marinha mercante Sr. Dr. Ramos de Sousa e ainda pelo jornalista Maurício de Oliveira na sua obra jornalística e de escritor.

Apenas lamentarei, como todos VV. Ex.ªs, que a renovação da nossa marinha mercante, promovida de 1945 a 1955, não tenha sido continuada como se impunha e contemplada como era indispensável no I e no II Planos de Fomento - decerto por ter sido atribuída preferência a outras prioridades também prementes -, e no Plano Intercalar, certamente porque o não permitiu a larga soma de encargos com a luta que nos é movida no ultramar. E a dramática consequência é que, longe de havermos atingido a meta de 60 por cento de o nosso comércio marítimo se realizar em navios sob pavilhão nacional, estamos, de facto, a distanciar-nos cada vez mais dos 33 por cento em que nos encontrávamos há 15 anos atrás!

É certo que a Nação possuía há 15 anos 327 navios diversos, com pouco mais de 550 000 t forma