que têm vitimado, por motivo do avanço das águas do mar ou de cheias extraordinárias dos rios, os habitantes de zonas ameaçadas que aí construíram as suas casas sem que o Estado pudesse legalmente intervir para os

defender contra a sua própria imprevidência. Os preceitos que definem a natureza pública ou privada dos terrenos que integram os leitos, margens e zonas adjacentes das águas públicas não alteram, no essencial, o regime vigente. Mas entendeu-se que havia vantagem em adoptar critérios explícitos que permitam resolver as questões suscitadas pelo recuo e pelo avanço das águas.

Já quanto ao reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicas se modificou, num aspecto mais importante, o direito vigente: tal reconhecimento, quanto a terrenos situados em margens, dependerá da produção de prova de propriedade ou posse privadas anteriores a 1892 (e não 1864, como até aqui). Aliviando deste modo o peso do ónus da prova imposto aos interessados, vai-se ao encontro da opinião que se tem generalizado no selo da Comissão do Domínio Público Marítimo, dada a grande dificuldade de encontrar documentos que inequivocamente fundamentem as pretensões formuladas à administração dominial.

Não pode, no entanto, esquecer-se que esta orientação, baseada em princípios gerais do direito firmemente assentes na nossa ordem jurídica - o princípio da não retroactividade das leis e o princípio do respeito dos direitos adquiridos -, não deverá prejudicar, na prática, os interesses gerais da colectividade, em razão dos quais, precisamente, se foi criando e se mantém na propriedade do Estado o domínio público hídrico. É, por isso que se institui, pela primeira vez em termos genéricos, um conjunto de providências tendentes a permitir ao Estado fazer ingressar no seu domínio público as parcelas privadas dos leitos ou margens públicos.

Também se dispõe, por forma mais completa e mais clara, acerca das operações de delimitação e do julgamento das questões de propriedade ou posse. No que diz respeito à matéria das servidões administrativas a que estão sujeitos os leitos e as margens, ou suas parcelas, quando sejam objecto de propriedade privada, o presente diploma limita-se a reafirmar ou, quando muito, a alargar determinações já contidas noutros preceitos que se não afigurou oportuno revogar ou desmembrar. Ainda assim, sempre se esclareceram vários pontos duvidosos e se preencheram algumas lacunas, sobretudo em matéria de expropriações.

Quanto às restrições de utilidade pública impostas aos proprietários confinantes com as margens das águas do mar ou dos rios, importa salientar a já mencionada inovação das zonas adjacentes.

O respectivo regime consiste fundamentalmente em assegurar, aí, a intervenção dos serviços hidráulicos no planeamento urbanístico ou no licenciamento da edificação, de modo que possam ser tomados em conta os perigos emergentes da proximidade das águas e da probabilidade da sua acção devastadora. Este regime só é aplicável, todavia, nas zonas que sejam classificadas como ameaçadas pelo mar ou pelas cheias por decreto do Ministro das Obras Públicas, depois de ouvidas, conforme os casos, as demais entidades interessadas, designadamente o Ministério da Marinha e a Secretaria de Estado da Informação e Turismo. A última parte do presente diploma compendia e sistematiza os traços essenciais do regime jurídico dos usos privados do domínio público, de acordo com os princípios, com a nossa tradição legislativa e com as necessidades do momento, e à luz das mais recentes, concepções formuladas no direito comparado, na doutrina e na jurisprudência.

Revestem-se de especial importância os preceitos que estabelecem em novos moldes a distinção entre licenças e concessões de uso privativo, o elenco dos poderes e deveres dos respectivos titulares, os termos em que são possíveis as utilizações provisórias, o regime das taxas aplicáveis, as regras sobre transmissões e hipotecas, os sistemas de cessão do uso privativo e os meios de defesa da Administração e dos utentes privativos contra as ocupações abusivas e outras atitudes ilícitas.

Não deve, contudo, deixar de salientar-se em especial, de entre todos estes aspectos, aquele que se afirma mais relevante e de maior alcance - a - os de utilidade pública.

Crê-se poder, com isto, instaurar uma nova fase na exploração das riquezas contidas no domínio hídrico nacional, atraindo mais intensamente os capitais e impondo critérios mais justos nas suas relações com o Estado.

Nestes termos, usando da faculdade conferida pela 2.ª parte do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Princípios gerais

Os leitos das águas do mar, correntes de água, de lagos e lagoas incluídos no território metropolitano, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitos ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais.

(Noção de leito; seus limites) Entende-se por leito a superfície de terreno coberta pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por acção das correntes.