Com inegável realismo, verifica-se não ser, infelizmente, viável dar completo seguimento a esta directriz, «[...] mas que 'a integração constitucional, traduzida ou explicitada em todas e cada uma das normas do texto da lei fundamental, significa de per si e visa significar, realmente, a unidade nacional, a todas as luzes. Na medida em que nos aproximamos deste ideal, servimos e proclamamos a unidade política da Nação. O limite nesta direcção será constituído apenas pelas realidades insuprimíveis. Os textos constitucionais assimilacionistas ignoraram no passado este limite e quiseram forçar estas realidades'». A simples enunciação das grandes linhas da evolução e da história da administração ultramarina melhor demarcará o sentido e o valor das directrizes apontadas.

Foi perante as realidades decorrentes da expansão ultramarina que, de forma pragmática - os esquemas teóricos surgiriam com o liberalismo -, se foi ocorrendo às necessidades, sob a influencia, embora, dos conceitos então dominantes.

Em relação à administração central, cedo os interesses ultramarinos justificaram a criação de organismos especializados, e é assim que surge a Casa da Guiné, depois Casa da Guiné e Mina e Casa da Mina e Trautos da Guiné, e posteriormente a Casa da índia, ligada à primeira, pois que a superintendência de ambas pertencia ao mesmo funcionário, e em 1630 a Casa da Índia, Mina e Guiné.

Só em 1530, porém, foi criado o Secretário da índia, que em 1571 geria os «negócios e cousas da Repartição da índia, Mina, Guiné, Brasil e Ilhas», significativamente designada em 1584 como «repartição da índia, Brasil, Mina e Guiné».

Após a dominação filipina com o efémero «Conselho da índia», D. João IV cria em 1643 o Conselho Ultramarino, que é extinto em 1833, quando o liberalismo vitorioso impôs a sua visão assimiladora integral.

No entanto, o Conselho Ultramarino, como antigo órgão do Governo, de cujas consultas eram os Secretários de Estado simples intermediários junto do soberano, transformara-se, no período pombalino, em mero colaborador subalterno da orientação governativa.

Em 1736 seria criada a «Secretaria da Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos» 5.

Verifica-se, assim, que, neste período, cedo surgiu a necessidade de um órgão metropolitano especializado para se ocupar dos assuntos ultramarinos o que, se num primeiro período não havia diferenciação quanto aos ministros, num outro passou a haver um secretário do Estado com competência especial para o ultramar.

Como, porém, era sempre o soberano quem. despachava todos os ass untos, daí resultava equilibrada integração governamental e a harmonização de interesses e soluções.

Cada território tinha organização própria, adaptada às suas condições, mas em relação a todos eles verificava-se larguíssima desconcentração do poderes com contrapartida na força da soberania real que, aliás, alem de fixar orientações, exercia efectiva fiscalização. A partir de 1890, com António Enes, que fez escola, e Mouzinho de Albuquerque, o grande princípio que informa a administração ultramarina passa a ser o da descentralização administrativa e da especialidade das leis.

António Enes, no seu relatório de 7 de Setembro de 1893, apresentado ao Governo, depois de dizer que «em Moçambique é que se há-de governar Moçambique» e de afirmar que «os governadores-gerais mal podem mover-se dentro da lei, mas permitem-se-lhe, com absoluta irresponsabilidade, todos os saltos e correrias fora da legalidade», conclui que «o exagero da centralização legal corrige-se por um outro exagero, o da descentralização de confiança».

«Em princípio», continua António Enes, «é o Terreiro do Paço quem governa todo o mundo português, mas como o Terreiro do Paço não pode nem com o mero expediente de tanta glória, abdica arbitrariamente no arbítrio das autoridades provinciais. Esta abdicação é inevitável, e não podendo a legislação evitá-la, tem de regularizá-la.»

E finaliza: «Desejo, em suma, que a província possa ser governada, administrada na província, segundo normas inflexíveis e estabelecidas e fiscalizadas pela metrópole.»

Por outro lado, adentro da província, entende não haver inconveniente na unidade provincial, desde que os distritos tenham mais autonomia, mais faculdades e recursos de vida própria. Com a República é precisamente essa orientação descentralizadora e de especialidade das leis que se consagra no artigo 67.° da Constituição de 1911, onde se estabelece que: «Na administração das províncias ultramarinas

6 0 Cf. sobre a matéria deste número, Marcelo Caetano, O Conselho Ultramarino, Lisboa, 1967, o Direito Público Colonial Português, segundo as lições coligidas por Mário Neves.

7 Cf. Marcelo Caetano, obras citadas e o relatório da proposta de Lei n.º 2066, de 27 de Julho de 1963 (Lei Orgânica do Ultramar), in Nova Legislação Ultramarina, vol. XI, pp. 23 e segs.