Simplesmente, este problema reveste-se do aspectos tão melindrosos, que se julga inoportuno resolvê-lo sem estudo mais aturado. E, sobretudo, considera-se desaconselhável colocar desde já os accionistas possuidores de acções privilegiadas em situação de inferioridade face aos possuidores de acções comuns. Estes poderão passar a ver contados todos os seus votos, salvo se os estatutos os limitarem; aqueles, mesmo que não haja limitação estatutária, verão os seus votos limitados, nos termos do projecto, pois nenhum accionista com privilégio de voto poderá representar na assembleia mais da décima parte dos votos conferidos por todas as acções omitidas.

A solução, mesmo considerada no aspecto prático, parece desaconselhável, pois as acções com voto plural tendem naturalmente a desaparecer, porque os accionistas preferem, em regra, acções privilegiadas quanto à distribuição de lucros, dando maior importância ao rendimento que ao direito de voto 44. Mas, enquanto não desaparece rem, cumpre não restringir os direitos conferidos os seus possuidores.

A Câmara sugerirá, por estas razões, a eliminação do § 4.º do artigo 183.º Faz-se depender, no artigo 2.° do projecto, a aplicação do regime estabelecido no novo § 3.º do citado artigo de deliberação que altere os estatutos no sentido de não haver limitação de números de votos ou no de estabelecer as limitações permitidas pela redacção dada àquele § 3.º

Não parece plausível este preceito.

Nas sociedades cujos estatutos não estabeleciam limitação de votos, tem-se por evidente que, alterada a redacção do § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial no sentido da ilimitação, todos os accionistas poderão passar imediatamente a utilizar todos os votos correspondentes às suas acções.

Solução contrária conduziria ao absurdo de continuar a aplicar-se uma norma revogada.

E, então, manter-se-iam as práticas apontadas no n.º 6 deste parecer, que o projecto de decreto-lei judiciosamente quer abolir.

Entende por isso a Câmara que na hipótese apontada, de os estatutos não limitarem os votos ou conterem apenas, como muitas vezes suc ede, a determinação de que a tantas acções corresponde um voto, "sem prejuízo das limitações legais", todas as limitações cessam automàticamente.

E, desaparecendo essas limitações, a sua abolição há-de produzir efeito imediato, sem necessidade de alterações estatutárias.

Tais alterações apenas terão de ser introduzidas nos pactos sociais se as sociedades quiserem que sejam limitados os votos de que cada accionista poderá dispor.

Então, sim: o novo regime legal será afastado, mas só poderá sê-lo, como é óbvio, alterando-se os estatutos, pois, enquanto o não for, aplicar-se-á o regime do novo § 3.º

Propor-se-á, por isso, outra redacção para o artigo 2.º A disposição do artigo 3.º não se justifica. Visa ela a dar ao Estado ou entidades para esse efeito a ele equiparadas uma posição de completo domínio nas sociedades de que sejam accionistas.

Na verdade, as eventuais alterações estatutárias não poderão ser aprovadas sem os votos concordantes do Estado ou de tais entidades. Se eles tiverem apenas 5 por cento do capital social, os estatutos não poderão ser modificados, sem que o Estado concorde com a alteração.

A ideia não é de acolher, pelo que o artigo 3.º do projecto deve ser suprimido.

Aliás, a supressão em nada prejudicará o estado ou as demais entidades referidas no projecto. Se forem maioritários, a alteração estatutária não poderá fazer-se sem o seu voto; se o não forem e a alteração se mostrar contrária ao interesse público, haverá sempre lugar à aplicação do que se dispõe no Decreto-Lei n.º 40 833 43.

Além disso, como a limitação não se aplicará às referidas entidades, nos termos do novo § 3.º do artigo 138.º do Código Comercial, a exigência dos seus votos dos demais accionistas por deliberação de assembleia geral não tem qualquer justificação. Os artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º não merecem reparo.

III A Câmara Corporativa sugere:

§ 3.º Os estatutos podem limitar o número de votos de que cada accionista dispõe na assembleia, quer pessoalmente, quer como procurador, contanto que essa limitação. Se aplique igualmente a todos os accionistas que disponham de igual número de acções: a limitação não funcionará, porém, nos casos em que a lei ou os estatutos exijam para validade das deliberações sociais uma certa maioria de capital, a não ser que os estatutos expressamente o determinem, nem vale em relação aos votos que pertençam ao Estado ou a entidades para o efeito a ele equiparadas. Que seja eliminado o projectado novo § 4.° do artigo 183.º do Código Comercial;

d) Que o artigo 2.° do projecto de decreto-lei tenha a redacção seguinte:

Art. 2.° Nas sociedades constituídas antes da entrada em vigor do presente diploma, cujos estatutos não estabelecessem limitação de votos ou a estabelecessem apenas por remissão para a lei geral, aplicar-se-á imediatamente o disposto na nova redacção do § 3.º do artigo 183.° do Código Comercial. Que seja eliminado o artigo 3.º do projecto.

2. A Câmara Corporativa dá a sua plena concordância aos artigos 4.° a 7.° do mesmo projecto.

Joaquim Trigo de Negreiros.

José Alfredo Soares Manso Preto.

José Fernando Nunes Barata.

44 Baudain-Buguet, Les Sociétés par Actions en Allemagne, p. 85.

45 Cf. n.º 14 deste parecer.